A Janela

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Senti-me imerso naquela negra fumaça expelida pela combustão daquele curto ônibus no qual subi para direcionar-me até o bairro onde morei durante aquela dourada época da minha vida.

Tossi secamente tentando expelir aquela quantidade de gases tóxicos de meus pulmões tecnicamente jovens e senti um lapso terrível. Havia a certeza de que algo havia passado através de minha unidade corporal. Percorri o amplo de minha visão muito rapidamente. Não compreendi como tamanha estranheza havia ocorrido, muito menos o porquê daquilo, só tive a tremenda impressão de que não eram feitos de nosso deus crucificado.

Admito que não sou lá um homem muito espiritualístico. Sempre tive uma relação muito fortalecida com a ciência, mas tive uma segunda certeza naquele momento: Também não eram feitos que conseguiriam ser explicados claramente pelas erudições da natureza.

Espero que você que esteja aí do outro lado não esteja entendendo aonde quero chegar. Explico-lhe esse impasse facilmente. Não quero chegar a lugar algum. Aonde estou não posso mexer-me, e dão me cápsulas periodicamente, sempre no mesmo horário, essas me deixam sonolento e eu nunca busquei tentar entender essa minha situação. Porque você, então, mero leitor, acha que tem alguma autoridade para questionar a lógica desses meus escritos?

Nos momentos em que senti a êxtase profunda, não parei para checar que a rua onde habitava se encontrava em total bréu. Somente percebi uma janela, que emitia uma luz amarela, que me doía os olhos, contrastando com a total escuridão.

Percebi rapidamente que aquela janela me era familiar. A janela da casa de Clarice. Amiga minha de infância. Tinha eu uma amizade de longo prazo com aquela (hoje) moça e me senti na liberdade, confesso, um pouco íntima até demais, de abrir a portinhola do baixo muro que separava o casebre de Clarice do resto da rua.

Senti novamente aquele arrepio subindo pela minha espinha. Já se tratava de algo menos estranho, mas que era tão horrível quanto na primeira vez. Senti algo mais parecido com dor do que qualquer outra coisa. Meus órgãos reviravam-se dentro de meu tórax, minhas sinapses nervosas eram reduzidas a algo tendendo sempre a zero, mas logo sentia que deveria prosseguir minha caminhada e meu corpo respondia devidamente, ignorando todas as adversidades externas e possivelmente internas que agiam sobre meu corpo.

Aproximei-me calmamente da porta da casa de Clarice e veio me um êxtase, em contraste aos outros tremeliques que me atingiram, e veio-me uma energia: Tinha certeza absoluta de que eu descobriria o que havia de errado e excêntrico naquela janela e comigo. Se é que havia algo estranho acontecendo.

Cheguei a uma porta pintada de amarelo, meio avariada pelo tempo, e contra todos os bons modos que haviam me ensinado na infância, apertei a maçaneta e adentrei aquele pequeno casebre.

Tal qual era esperado, o interno era somente escuridão, olhei para um lado: negridão. Tornei a virar a cabeça para o lado direito e enxerguei uma luz vindo do interior da casa, e acredite pode ter sido uma péssima escolha se pararmos para analisar integramente.

Segui a luz, passando por uma saleta, cheguei a outra porta, essa era vermelha e estava intacta, como se pintada no dia anterior. Abri novamente a porta e me deparei verticalmente com a janela que eu havia avistado da rua, adentrei o quarto, para visualizar melhor a janela e me surpreendi com algo inesperado : a porta atrás de mim fechou-se sozinha, quando virei-me para checar se tudo estava correto, as janelas começaram a abrir e fechar. Abrir e fechar. Abrir e fechar.

Apavorei-me totalmente nesse momento, tentei abrir a maçaneta. Trancada. Tentei novamente. Trancada. Mais desespero subiu-me pela espinha: as janelas batiam, a porta estava trancada. Nada poderia piorar, certo? Errado.

Novamente tive meu corpo arrasado por outro lapso e dessa vez derrubei-me, caí ao chão totalmente indefeso, e inesperadamente escutei algo sussurrar aos meus ouvidos, eu não entendi primeiramente o que estava sendo me dito, esforcei-me bastante para tentar ouvir, se é que havia algo para ouvir. Finalmente consegui escutar um questionamento que até hoje, me tortura e me corrói, que me enche os olhos e que me arrepia a espinha:

- "Diga-me o que te assombra, meu amor".

Inocentemente respondi:

- A JANELA, A JANELA ! ! !

E assim prossegui pela noite inteira, até não sei mais quando.

E cá estou eu.

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