Um Cara Escorregadio

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O delegado comparou a foto do cartaz de procura-se espalhado nas delegacias regionais, com a estampa do estranho abancado no balcão do restaurante. Não era apenas impressão, aquele era o fugitivo, os dados descritivos batiam claramente com os traços fisionômicos do sujeito.

O elemento devorava displicentemente um prato feito de filé, ovo frito, arroz, feijão e farofa, a comida regada com cerveja. Audacioso, ele nem parecia preocupado em se expor abertamente na lanchonete encravada no boxe do terminal rodoviário Governador Freitas Neto.

O delegado acenou discretamente a um policial que fazia a ronda nas imediações. Explicou a necessidade de improvisarem uma detenção.

– Preciso de ajuda.

– Diga.

– Tá vendo aquele cara?

– Sim.

– Não podemos deixar que escape.

– Quem é ele?

– Um fugitivo.

O delegado mostrou o cartaz com as informações. O elemento era envolvido em alguns crimes, dentre estes, a tentativa de sequestro de um político da região. Preso, ele havia conseguido fugir da delegacia de Elesbão Veloso, semana passada.

– A polícia tá na busca do bandido. Ele estava sumido, mas agora dá as caras aqui em Valença.

– O que ele faz por essas bandas, senhor?

– Esperando o ônibus, acho.

– Não é muito óbvio?

– Não sei qualé a dele.

– Atrevido, né?

– Provavelmente não tem opção.

O policial tocou ostensivamente o cabo do revólver a sobressair da cartucheira.

– Pois tá na boca da arapuca.

– Sem empolgação, soldado, todo cuidado é pouco.

– Qual o receio?

– O cabra é muito perigoso.

Combinaram a abordagem. Deslizaram sorrateiros, escudando-se por trás das pilastras do prédio.

O sujeito levava o copo à boca, quando o delegado estacou por trás.

– Quieto, malandro!

Com o canto dos olhos, ele percebeu a arma na mão do abordante.

– Mãos na mesa!

Súbito, outro policial se destacou em sua frente, também de arma em punho; ele não se mostrou nem um pouco intimidado com a abordagem.

– Onde acha que estão?

– O quê?

– Minhas mãos.

– Na mesa, ora!

– Pensei que não tivessem reparados.

– Deixe de graça – exigiu o delegado. – E de pé, vamos!

O policial pressionou o cano da arma na coluna do suspeito, enquanto o delegado fazia um pente-fino em sua pessoa, extraindo do bolso da calça uma carteira surrada com algumas cédulas de pouco valor e a identidade. Não foi encontrado nenhuma arma, ou qualquer outro objeto em sua posse.

Uma pequena aglomeração de populares havia se formado, bisbilhotando em volta da cena, espicaçada de curiosidade.

– Saia da frente, gente.

O delegado enxotava os curiosos do caminho, enquanto o detido era escoltado para o distrito da cidade. O homem ficou trancafiado na prisão de Valença, à disposição da Justiça, aguardando a instrução processual. Deixaram-no apenas de calça e camisa, o cinto e os sapatos haviam sido retirados por precaução.

Hora depois, fizeram outra inspeção em seu corpo e roupas, dessa vez mais detalhada. Nada de suspeito foi achado.

Pela manhã, aturdidos, os policiais constatam a ausência do prisioneiro na carceragem. Uma das grades de ventilação da cela se encontrava serrada, como a sinalizar a fresta por onde ele tinha se insinuado ao exterior. Ninguém sabia explicar de onde ele havia retirado o instrumento usado na fuga, visto que aparentemente estava limpo.

E o mais grave, revelando um atrevimento inusitado, o cara tinha praticado a fuga da cidade na velha viatura do distrito. O carro foi recuperado sem nenhum dano no começo da noite num descampado da zona rural de Teresina, um pouco antes do posto fiscal.

No mesmo dia os policiais ficaram sabendo que a identidade do suspeito era falsa. Nem com todo empenho de pesquisa eles conseguiram obter qualquer informação sobre quem era de fato o indivíduo, ou de qual região era originário.


Um Cara EscorregadioWhere stories live. Discover now