Heavy

14 1 0
                                    

Compressão.
Falta de ar.
Choro e grito.

O começo de uma vida não é nada bonito, muito menos interessante. Um criança sai do meio das pernas de uma mulher, um ser. Esse ser não sabe o que está acontecendo, não sabe o que vai acontecer. Essa nova realidade vai lhe trazer conforto e felicidade?
Será que bebês pensam? Existe um antes? Um tempo onde nós podemos escolher como vai ser nossa vida? Será que eu aceitei tudo isso antes de ser gerada, toda essa bagunça?

A filha mais nova entre cinco irmãos. Três mulheres e um homem, vários desentendimentos. Lá estava eu, a filha não planejada, "a benção divina" que uniu os pais em uma situação crítica. O complexo da relação, o peso da família, era assim que me via todos os dias no espelho. Todos os dias planejando acordar cedo na esperança que o outro dia fosse melhor que o anterior mas a verdade dormia no quarto ao lado, nunca seria um dia melhor, então eu voltava a dormir sem vontade de abrir os olhos novamente. Era quando ele voltava, bêbado, descontrolado, enciumado, arrogante. Eu ouvia os gritos, o vidro estilhaçando, o choro. Então eu ouvia o tapa. Eu deseja que tudo acabasse mas eu era covarde pra fazer alguma coisa. Eu poderia ter feito mais. Eu era só uma criança

Olho em volta, fumaça e caos.

Olhos atentos nos celulares. O mundo virtual tomando conta da realidade.

Eu não vejo algo que possa me trazer para superfície, então afundo cada vez mais no abismo que criei. Eu não quero escapar, está confortável. Daqui eu posso ter uma boa noção do que está acontecendo, posso me analisar em silêncio. Desorganizar a ordem dos meus sentimentos.

1- Eu não me lembro de estar completamente feliz com a minha vida antes.
2- Eu não estou feliz com a minha vida agora.

Eles perguntam se estou bem mas eles não querem ouvir que estou mal então sorrio e digo que sim.

- Estou bem, na verdade estou ótima.
- Sério? Que bom.
- Estou na minha melhor fase, sabe. Meu cabelo está todo bonito, eu emagreci uns quilos.
- Eu percebi.

A realidade é que meu cabelo está pela metade, está caindo tanto que as vezes chego a pensar que sou calva. Eu emagreci, é verdade. Estou tão magra que pareço um corpo morto no caixão. Eu odeio isso. Eu odeio tudo, dos meus cabelos cheios de química às minhas unhas do pé por fazer. A vida é uma droga.

Eu acordo todos os dias exatamente às 10 da manhã, tenho uma rotina de merda programada que inclui café da manhã, banho, almoço, trabalho, casa, janta, banho e sono. Sem TV, sem happy hour na sexta, sem amigos pra receber, sem amigos pra visitar. As vezes no domingo sou obrigada a comparecer nas reuniões de família, rever as pessoas que vivem falando pelas minhas costas, sussurrando e dispersando veneno. Malditas cobras.

Checo as horas no celular pela quinta vez seguida. 22:45. Não há mensagens novas. Levanto do sofá e sigo para o banheiro, abro a torneira e molho o rosto com a água fria, aprecio por poucos segundos o frescor que isso me traz, até consegue me enganar por um tempo mas não me dou mais o luxo de pensar que posso sentir algo positivo. Meus 20 e poucos anos me trouxeram mais tristezas do que posso contar. O barulho da água escorrendo pelo ralo ocupou meus ouvidos enquanto eu encarava a mulher horrível no espelho.

- Feliz aniversário Lucy! - disse a imagem refletida - Por que você não sai da merda da sua casa e vai comemorar com os seus amigos? - um momento de silêncio absoluto - Ah é! Quase me esqueci que você não tem amigos - um riso amargo e anasalado - Deve ser horrível ser a vadia que ninguém gosta, a loba solitária que não tem sequer amor próprio. Que não faz nada por conta própria. Uma desperdício de vida e tempo.

HeavyOnde histórias criam vida. Descubra agora