1
As escavações mediam mais de dois metros. O jovem soldado Horace rezava um Pai Nosso, agachado. Estava nessa posição há bastante tempo, seus membros inferiores doíam e formigavam. Ele não ligava. Havia coisas mais importantes para se preocupar. A lama fria conseguia, sem esforço, penetrar nas botas dele. Uma granada de mão fora arremessada próximo às trincheiras. Se o inimigo tivesse uma pontaria um por cento melhor, Horace certamente não iria conseguir terminar sua reza. Ouviu o barulho ensurdecedor da Metralhadora Lewis. O soldado Dominic tentava acertar os inimigos.
Horace o puxou para baixo.
- Esqueça, esqueça – ele gritou.
- Não! Temos que matá-los. Antes eles do que nós – foram as últimas palavras de Dominic.
O corpo fora jogado com força por causa do projétil. Uma exclamação francesa fora ouvida do lado de fora da trincheira. Dominic jazia ao lado de Horace. O corpo dele ainda estava quente quando o soldado Eli o chutou. Afastou o corpo do camarada, e tomou seu lugar. Atirou.
- Peguei um deles, acredito eu – ele disse. – Você está bem?
Que pergunta nonsense de se fazer.
Eli se agachou.
- Nunca te perguntei. Você tem alguém esperando em casa quando tudo isso acabar? – Eli voltou a perguntar.
- Tenho minha mãe. Libby, o nome dela.
- Ah, eu ainda tenho também. E mulher? Filhos?
- Não – Horace riu. – Não tive tempo para isso.
- Você é novo ainda – respondeu Eli.
- E ao mesmo tempo tão velho!
- Eu voltarei pra casa, sabia? Voltarei para passar o Natal – disse Eli.
- Eu também. Nem que seja nos meus sonhos.
2
A noite fria - bem mais gélida que de costume – chegara. Horace preparara uma fogueira com os corpos de Dominic e Eli. Se isso era errado ou não, Horace não questionou a si próprio. Eles não iriam ter um funeral descente, de qualquer forma, os corpos nunca voltam aos lares.
Não fora sensato da parte de Horace acender uma fogueira. Por outro lado, morreria de frio. Um soldado inimigo se aproximou sorrateiramente da trincheira. De cima, ele apontou com uma Chamelot-Delvigne na direção da cabeça de Horace. Horace nem sequer soube o que atingiu.
**
A casa de Libby estava confortavelmente quente, em contraste com o frio da rua. Não nevava, porém por onde se andasse, poderia se encontrar com a neve. As crianças brincavam de jogar bolas brancas uma nas outras. Os sem-tetos chutavam a neve, com raiva.
A mãe de Horace comprara uma linda conífera. Please, have snow and mistletoe and presents by the tree. A árvore, recheada de enfeites. Desde laços, bolas, até soldadinhos. De repente, o tempo parecia ter parado. Christmas eve will find you. Where the love light gleams. A música natalina tocava no aparelho criado por Tesla. I'll be home...
Lilly resolvera abrir a porta. Um soldado estava parado, observando sua casa.
- Filho? – ela perguntou.
- Ele está bem – respondeu o soldado.
A voz lembrava a de Horace, mas ela não via rosto dele. Sem aviso, começara a nevar novamente. Tudo ficara branco. O rádio desligara sozinho, cessando a música.
- Filho? Saia daí!
Libby andou até o local do soldado, porém ele não estava mais lá. No lugar, apenas as impressões de sua bota.