Capítulo 1 - A Noiva

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 Pedro, você foi buscar os convites na gráfica?

- Era hoje? Esqueci. Amanhã eu pego.

- Poxa, eu estava tão curiosa pra ver.

- Eu não ia poder levar aí hoje mesmo.

- Por que? Você não vem mais?

- Não, vou pra casa. Estou mega cansado, amanhã tenho que ir naquela droga de loja tirar as medidas para o terno às sete horas da manhã e depois vou trabalhar. Vou descansar hoje.

- Isso quer dizer que ficar comigo cansa?

- Não pira, Mia. Estou estressado com o trabalho, não vou ser uma boa companhia hoje. Só quero o meu sofá, uma cerveja e assistir o jogo.

- Você já parou para pensar que, quando estivermos casados, você não vai ter para onde fugir?

- Sim, e é exatamente por isso que eu devo aproveitar enquanto eu tenho!

Silêncio.

- É brincadeira, amor.

- Eu não acredito que você disse mesmo isso.

- Ah, Mia. Qual é? Você está o tempo todo estressada com tudo. Foi só uma brincadeira.

- Eu estaria menos estressada se você se envolvesse 1% nesse casamento! Caramba, Pedro. Você não tem me ajudado em nada. Tudo você diz que está bom do meu jeito só para que eu não peça a sua opinião. E a única coisa que eu peço pra você fazer, como pegar os convites que eu decidi sozinha, você esquece! Como quer que eu fique?

- Já disse que vou buscar amanhã.

- Não é pelos convites! Você não participa de nada. A realidade é que parece que vou casar sozinha. Com um noivo invisível! Acho que terei sorte se você aparecer lá no dia!

- Nossa, que exagero.

- Exagero? Então me diz uma coisa que você tenha feito até agora por esse casamento?

- Quer que eu liste todos os boletos que já paguei?

- Ah, como eu não pensei nisso. É lógico que você acha que pagar pelas coisas é participar. Como se tudo não fosse dividido igualmente por nós dois!

- Amor, você já tem gente demais opinando. Nossas mães não param de dar pitaco em tudo. Além do mais, eu não tenho paciência pra ficar provando docinho, escolhendo guardanapo e ficar pensando em todas as brigas de família para não colocar os parentes que não se falam na mesma mesa. Você faz isso muito melhor do que eu.

- Isso e todo o resto. Você se exime de qualquer tarefa! Pedro, o nosso casamento é daqui a três meses e se você continuar sem me ajudar em nada eu vou enlouquecer!

- Não seja tão dramática, eu deixo nas suas mãos porque sei que você dá conta.

- Eu não estou sendo dramática! Esse é um momento importante para as nossas vidas, não era para eu estar tomando todas as decisões sozinha.

Ouço Pedro bufar, impaciente do outro lado da linha.

- Eu vou participar mais, ok? Eu prometo.

Infelizmente eu não acredito mais nessa promessa há tempos.

- Ok.

- Tenho que desligar agora, meu chefe está vindo na minha direção e me olhando com aquela expressão assassina de novo. Te aviso quando chegar em casa.

- Ta bom.

- Eu te amo.

- Eu também te amo.

Eu desligo e apoio a cabeça nas mãos, massageando as têmporas. Não achei que me casar traria tanta dor de cabeça. Pior, não pensei que meu noivo fosse me abandonar completamente sozinha nesse barco furado.

Levanto a cabeça e encaro a tela do computador a minha frente com a ficha do meu próximo paciente. Enzo Gabriel Eiras Prado; três anos e quatro meses; Mãe: Camila Eiras e Pai: Juliano Prado. Sorrio ao lembrar do pequeno, ele foi um dos primeiros bebês que acompanhei o parto. Nasceu tão gordinho, as bochechas rosadas saltavam a face. Era uma carinha de joelho bem recheada. Depois dele tantos outros bebês passaram pelas minhas mãos...

Depois de anos de dedicação quase exclusiva ao estudo, entre vestibular e a faculdade pública de medicina, a residência médica e a experiência em emergência de alguns hospitais, finalmente consegui fixar meu próprio consultório. Quer dizer, eu divido o aluguel com mais dois médicos, um cardiologista e uma ortopedista, mas ainda assim isso já é um luxo! Só de ter horários fixos de atendimento eu já posso me considerar sortuda. Mesmo que ainda acompanhe alguns partos em horários aleatórios, tipo às três horas da manhã, eu já quase posso considerar como uma vida normal. Por isso o casamento finalmente surgiu nos meus planos.

Antes de Pedro eu tive alguns namoricos, mas nada muito sério. A profissão sempre foi a minha prioridade. Porém, depois de quatro anos juntos, e de não aguentar mais o desespero da minha mãe de que eu ficasse pra sempre para tia, nós decidimos nos casar. Não houve pedido. Simplesmente conversamos e decidimos que era hora de deixarmos a casa dos nossos pais.

Minha irmã caçula, Ana, está casada há três anos e eu tenho uma sobrinha linda, Sophia, de um ano e meio. Ela, o marido e a filha parecem que vivem em um comercial de margarina. Eu sei que não devia comparar, mas quando olho para minha irmã e meu cunhado, e depois olho para mim e Pedro, sinto que falta alguma coisa para nós, e não é um filho... Eu não sei dizer exatamente o que é e se tem algo que eu morro de medo é de descobrir isso depois de casada, depois que já for tarde demais.

- Ju, pode mandar o Enzo Gabriel entrar, por favor. – Peço para a minha secretária.

Vai ver isso é só coisa da minha cabeça. Nós somos duas pessoas bem-sucedidas, formamos um belo casal e nos amamos. Quer dizer, eu o amo, mas será que ele ainda me ama? Suas atitudes têm me deixado tantas dúvidas... Ainda assim, o fato de o meu noivo não querer se envolver nos preparativos do nosso casamento não quer dizer que ele não me ama, certo?

A porta do consultório se abre e um foguete entra por ela, derrubando vários dos brinquedos que tenho em um canto da sala. Camila entra logo atrás dele equilibrando bolsas e tentando controlar o pequeno tornado. Com muito custo ela consegue sentar na cadeira em frente a minha mesa e colocar o menino no colo. Hora de afugentar os meus problemas da minha mente e me concentrar no que eu sei fazer de melhor, tratar minhas crianças.

- E então, como vai esse meninão? Pelos olhinhos caídos, aposto que essa garganta já está cheia de placas.

- Como sempre, acertou em cheio, doutora. Quando acaba a fase da garganta inflamada, pelo amor de Deus?

Não é Tarde Demais [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora