Passado - Renato Queiroz

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    Passado

  Renato Queiroz

   Sangue vertia por entre os hematomas arroxeados em sua pele clara. Todas às vezes que mergulhava o algodão embebido em Betadine contra as lesões causadas por a fivela de um cinto, Estela arquejava de dor.

- Ficará tudo bem, meu amor. - Meu murmúrio baixo era feito num tipo de oração. Talvez estivesse a tentar convencer a mim mesmo que Estela sobreviveria a mais um ataque do filho da puta do Pedro. Estela era casada com um algoz que se escondia nas sombras do pai juiz. Pedro era um cavalheiro na frente dos seus familiares e amigos, no entanto quando estava a sós com Estela se tornava o monstro que deixava marcas da sua violência em seu corpo onde apenas ele poderia ver, escondidas por trás das casacos de gola alta, por baixo das calças de gangas, cicatrizes e ferimentos cobriam o corpo da mulher que amava. - Juro-te a ti, Estela. Que ele jamais tornará a tocar-te. Juro, amor.

No princípio não éramos amigos, Estela vivia a viajar junto com o Pedro. Nos jantares na casa do Romero, ela não aparecia. Sempre tinha uma desculpa ou algum compromisso de última hora. Aproximei-me dela ao perceber que algo estranho estava a acontecer a irmã do meu melhor amigo. Contudo, com o passar dos meses, Estela se tornou alguém que estava com frequência em meus pensamentos, tornei-me um amigo próximo. Em dada altura, apercebi-me de marcas negras em volta dos seus pulsos, onde ela estava sempre a puxar as mangas do casaco evitando assim olhares minuciosos. Espreitava por cima dos ombros quando estávamos a sós, quando Pedro chegava de surpresa, Estela mudava. Seu olhar ficava escuro e distante, ela mal respirava perto dele. Juntei as poucas informações ao medo que cruzava em seus olhos azuis quando Pedro estava perto de si. Entendi então, que as manchas negras, os pontos dados em seu supercílio esquerdo onde Estela afirmou que bateu com a cabeça na estante de livro ao tentar apanhar Odisseia, as marcas de unhas no contorno do seu pescoço eram resultados das mãos do homem que prometeu amar-lhe e cuidar de si por toda sua vida. Entretanto Pedro havia feito um pacto com diabo para torturar Estela até o último dia da sua vida, ele o fez.

- Renato, ele vai encontrar-nos...- Uma lágrima solitária desceu por seu rosto assombrado.

- Descanse. - Beijei o alto da sua cabeça tentando dissipar o desejo de vingança que estava a ser construído em minha alma. - Eu amo-te, Estela.

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- O senhor não poderá entrar...

Chutei a porta em vidro do gabinete de advocacia do Pedro. Ele estava em reunião com um dos seus associados. Gostaria de saber qual seria a reação deste sócio ao saber que Pedro batia na esposa até deixá-la inconsciente.

- Quero apenas avisar-te de algo, Pedro. - Meus punhos estavam fechados com força, tudo dentro de mim pedia para revidar cada tapa, chutes, arranhões, os abusos psicológicos que Estela vivenciou ao lado deste sociopata por dez anos.

O sócio foi dispensado enquanto caminhava para mais perto daquele covarde.

- Se voltares a tocar em um único fio de cabelo da Estela, serás um homem morto. - Prometi pronto para cumprir aquele juramento.

- Então és tu que estás a foder com a cadela da minha esposa? - Destilou seu ódio que provocou-me ainda mais gana por matá-lo.

Tudo tornou-se um borrão quando parti para cima de Pedro Dias. Enquanto batia seu corpo contra o chão de madeira, uma risada estridente percorria para fora dos seus lábios. Pedro era perverso e desumano. Cada golpe que acertava seu rosto antes perfeito, ele gritava uma ofensa contra Estela. Tinha a certeza que o mataria nos próximos minutos, todavia o anjo negro do resgate veio de encontro ao Pedro. Dois seguranças agarraram-me pelos ombros, me afastando do homem que ganhara todo o meu ódio, repulsa e furor.

Minhas mãos estavam manchadas com seu sangue sujo.

- A única coisa boa que a Estela sabe fazer é foder. Acho que já sabes disto, afinal ela é uma puta mimada. - O seu olho direito estava inchado e a sangrar enquanto ele ditava suas ofensas num tom de riso. - Ela é uma puta, mas é minha. Fica-te já avisado, Queiroz.

- Vou matar você! - Gritei enquanto era escoltado para fora do seu prédio de advocacia, um dos melhores apontados pela região. - Vou matar você, seu filho da puta!

Cumpri.

Matei-lhe.

Antes de ir para o inferno, Pedro Dias atirou na mulher que eu amava.

Na minha Estela.

Seu sangue estava em minhas mãos.

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