[Atenção: esse conto possui 4.414 palavras!]
6:10, 12.06.2019
Eu odeio o dia do meu aniversário. Sério! Quase um mês antes, todo ano, desejo com todas as minhas forças ter nascido em qualquer outra data, mas o Universo, as estrelas cadentes e todo tipo de força superior que você possa elencar com certeza já deve estar surda aos meus pedidos, porque meu desejar nunca obteve nenhum resultado.
Você deve estar se perguntando por que abriu esse caderninho de capa vermelha para ler essas palavras tão escabrosas. Aliás, esse é o meu diário, então por que fez isso? Coloque-o exatamente onde foi encontrado e se curve diante de mim clamando por misericórdia, porque ninguém lê o que se passa no quartinho da bagunça de Joana, também conhecido por algumas pessoas como o meu cérebro. Só a Thaís, claro, sendo uma das poucas que consegue entrar nesse quartinho sem querer arrumar tudo ou tirar todas as coisas do lugar. Oi, Thaís! Estou deixando explícito para você mais uma vez o quanto eu detesto o dia do meu aniversário, como se você já não tivesse me ouvido reclamar sobre esse assunto o suficiente ao longo da vida...
E bem, sem mais delongas, vamos ao dia de hoje, o último escrito nas páginas deste diário. Que, sem surpresa alguma, é:12 de junho de 2019.
- Mais conhecido como "dia dos Namorados", "o grande dia" ou "a data do ano".Qualquer outra pessoa poderia imaginar que eu diria "meu aniversário", se tivesse achado esse caderno jogado por aí e lesse as minhas bobagens de forma distraída. Mas só há inverdades nesta última frase, porque:
1. Ninguém mais além de você, Thaís, vai ler esse diário. Né? Ninguém.
2. Eu sei que você vai revirar os olhos pro item 1, mas só garantindo... Ainda não superei o fato daquela menina horrível com quem você estava ficando ter permanecido com o meu caderninho na mochila durante TRÊS HORAS INTEIRAS enquanto você foi levar o seu caderno de literatura pra Iaiá copiar. Qual é o nome dela mesmo? Bárbara? Isso! Nossa, amiga, não sei o que você viu nela, porque ela só provou ser uma pessoa horrível depois do que fez. Sorte que ela é preguiçosa demais pra ler, porque nunca conheci uma pessoa mais enxerida do que a Bárbara.
3. Claro, você sabe que a data do meu aniversário é de longe a data mais desimportante aqui em casa.Esse é o momento em que você revira os olhos e comenta que eu sou dramática demais, mas o meu ponto aqui é que ninguém mais sabe tão bem quanto você a verdade profunda que há por causa de toda essa situação do aniversário. Sendo bem no dia dos namorados, ele divide a data com celebrações melosas e românticas pelo Brasil todo – bendito empresário João Dória, que quis ser do contra e ignorar o não menos condenável Valentine's Day em fevereiro –, e não só no país, mas no coração de dona Flávia, ou mamãe. Mamãe, como boa filha de pizzaiolo, sempre levou o negócio da família muito a sério, e, como uma empreendedora de quem Dória se orgulharia, promove um frenesi em torno dessa data na pizzaria todos os anos, com a decoração super especial, o exagero que você conhece e além de tudo uma equipe disposta a ajudar os clientes em todo tipo de ideia piegas, a característica preferida do público.
Pois você não se lembra do meu aniversário de sete anos, quando a minha mãe insistiu para que o professor de judô do Thiago nos aceitasse na aula dele só para não ter que ficar com a gente?
Meu deus, e quando ela achou que nós ficaríamos felicíssimas ajudando com o trabalho na pizzaria bem no dia do show especial da Romance Insalubre, que por acaso foi bem no dia do meu aniversário de quinze anos? Tudo bem que isso foi há dois anos atrás, mas eu claramente NÃO SUPEREI ISSO. Nunca mais vamos conseguir estar em um show deles, agora que aquele baterista maravilhoso de quem sempre esqueço o nome vai sair da banda!!!!! A Joana aqui jamais conseguirá ver de perto aqueles olhos verde musgo que combinam perfeitamente com a camiseta que eles usam em todos os shows... Não adianta revirar os olhos pra isso também, Thaís, porque eu sei que no fundo você ama a Romance Insalubre, ou não me lembraria do nome dele toda vez que falamos do rapaz!
Meu despertador tocou pela terceira vez agora, o que quer dizer que já passou a minha hora de acordar faz muito tempo. Tudo bem que já estou acordada e escrevendo, mas você entendeu. Preciso tomar café da manhã e começar a me apressar, ou todos os meus planos de hoje vão por água abaixo. Aliás, escrever isso me lembra de que ainda não escrevi nenhum deles aqui ainda. Segura o fôlego, mantenha suas órbitas oculares no lugar – tenho certeza de que faz mal revirar tanto os olhos como você faz, amiga – e não vira a página. Volto depois de tomar café!
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Groselha com Limão [conto]
Short StoryConto curtinho escrito para o desafio do dia dos namorados promovido pelo @RomanceLP. A ser finalizado no dia 24/05 com uma sinopse decente!