Capítulo 2 - Rastejando na Negação

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Todo mundo já quebrou algum ovo na vida, Jean não era diferente, a diferença, porém, era seu profundo conhecimento sobre insetos.  Quando aproximou a luz do isqueiro junto ao que sentiu quebrar contra sua perna Jean teve uma surpresa desagradável: era de uma cor amarronzada, sua superfície era lustra e serrilhada na borda, isso não era um simples ovo como o ruído característico de casca rachada o fizera imaginar, era  uma ooteca; mas não uma qualquer, essa media pelo menos uns 40cms. Disso ele tinha certeza, já vira ootecas dos mais variados insetos na sua vida de dedetizador, a única diferença é que não tinham aquele tamanho todo. "Não pode ser possível", pensou Jean iluminando novamente toda extensão do casco rachado. "Definitivamente não é possível", balbuciou para si mesmo e para escuridão. Voltou até a Kombi e pegou a lanterna LED retrátil que também serviria como lampião, caso necessário. Última tecnologia no mundo da dedetização. Fechou com força a porta lateral da Kombi, só fechava desse jeito, mas o som do engate da trava foi diferente, mais alto que de costume, quase um estrondo. "Além de ver, agora estou ouvindo coisas". Trancou e enquanto voltava para dentro da casa, recordou os livros da biblioteca pessoal que seu pai havia colecionado ao longo da vida e que ele muito fingira ler quando criança. Recordou de um bem específico para a situação: "Baratas: Ecologia, Comportamento e História". No dito livro, página 73 das 432 que Jean nunca lera, sua memória recuperou uma informação muito importante  contida no texto abaixo da imagem de uma ooteca, que dizia o seguinte:  "Ootecas medem entre 2 mm (imagem) e podem chegar até 8 mm". Essa informação, há muito perdida no cérebro o fez parar subitamente nos degraus. Primeiro, pois corroborava com tudo que ele sabia ao longo da vida, ootecas não são grandes; segundo, pois se aquilo realmente fosse uma ooteca e se realmente tivesse 40 cm, de que tamanho seria a mãe? Ignorou os pensamentos, correu para dentro e acendeu a lanterna.

Ao reentrar na casa com a lanterna acessa teve uma ideia melhor da disposição do lugar. De frente à porta, mas mais aos fundos havia uma escadaria. Pudera não ter visto antes, a luz do sol não penetrava até lá. À direita, havia uma porta, estava, porém, fechada. Também notou um corredor do lado esquerdo, paralelamente à escada e dava nos fundos da casa. Desse modo o ovo quebrado ficava exatamente no início do corredor e coincidia com o arco de entrada da sala. Quando iluminou o casco, confirmou seu medo: "É mesmo uma ooteca". Jean também confirmou outras coisas nada agradáveis. O chão de madeira estava encharcado e apodrecido. Restos de comida podre estavam por toda a sala. "Bom, isso explica o mau cheiro", pensou ele, ''Também segue o modus operandi da barata deixar os ovos perto de água e restos de comida, mas... 40 cm!?", esse pensamento não saía da cabeça.  Iluminando adiante, Jean percebeu que os móveis da sala já estavam todos velhos e, literalmente, caindo os pedaços. Iluminando o centro da sala outra coisa chamou a atenção. Aquela não era a única ooteca, havia mais, muitas outras  mais. "Duas, quatro, seis...deve haver pelo menos umas trinta", calculou Jean. Chegou mais próximo, iluminou um aqui, outra ali e pode confirmar que eram exatamente iguais a primeira. Percebeu também que algumas estavam rachadas. "Já devem estar em fase final de incubação...", pensou.  Pisando levemente no chão encharcado para não piorar sua situação, Jean passava entre as ootecas seguindo em direção à porta nos fundos da sala. De nada adiantou. Há uns 3 passos da porta, uma pisada em falso fez seu pé afundar na madeira podre e encharcada.  "Puta merda!!!", rosnou. Arrancou o pé para fora na força bruta, rasgou um pedaço da calça e arranhou o calcanhar. "Só me falta pegar um tétano agora". Continuou em direção à porta e percebeu outra coisa nada agradável. Uma das  ootecas já estava completamente quebrada. O que estivera incubando já havia nascido. "Se uma ooteca das baratas que existem por aqui têm em torno de 10 à 20 ovos, então isso quer dizer...Não, não é possível, desse tamanho...".

Parado em frente aos restos da ooteca quebrada, Jean olhou para trás e iluminou novamente todas que vira antes. "São muitas", pensou incrédulo. Iluminou mais adiante o arco de entrada da sala que dava para o hall e para a porta da frente. Ainda conseguia ver a pouca claridade do sol entrando, mas cada vez menos. Ameaçou voltar e parou. As palavras de Carlos Souza ressoaram à mente: "Quando se começa um trabalho se vai até o fim", sempre dizia ele. Gabava-se de nunca ter recusado um contrato. "Aquele velho nunca viu algo assim, até ele iria embora depois de ver uma coisa dessas", retrucou Jean. "Olha para isso!!", iluminando horrorizado o centro da sala.

"Chega, para mim, chega!", seguiu em direção à saída desviando as ootecas, não esqueceu também de desviar o buraco que tinha feito no piso, cuidou para não quebrar,  para não cair novamente, nem qualquer outra coisa que o impedisse de sair. Sairia dali e não voltaria mais, esqueceria toda essa loucura bebendo sozinho. Foi o que pensara. Do corredor, ou será da escada, não sabia dizer, o que sabia dizer, porém, é que sob o arco da sala vultos impediam a saida. Ao iluminá-los com toda potência da lanterna de LED ouviu um alto assobio que mais parecia um relinchado, som característico do ar sendo forçado a passar pelos buracos de respiração que alguns insetos têm, ou para os entendidos, como Jean, espiráculos. "Mas quê porr...", Jean não pode acabar o pensamento. Insetos dificilmente atacam quando encontrados ou confrontados, geralmente fogem, mas, infelizmente para Jean, isso não aconteceria.  Caminhando, eretos, em sua direção e fazendo aquele barulho ensurdecedor a única reação que teve Jean foi correr. Correr na direção contrária, onde estavam todas as ootecas, onde já havia enterrado o pé através do piso encharcado, onde havia uma ooteca quebrada, onde... O piso, podre e encharcado não aguentou a pisada recheada de medo das pernas de Jean. Uma pisada de sonhos, quando as pernas pesam uma tonelada e não se consegue correr.  Quebrou-se,  e consigo levou Jean. Não que ele nunca sofrera acidentes de trabalho, claro, já os sofrera antes, muitos. Já chegara, inclusive, a quebrar uma perna, dois dedos da mão direita e o braço esquerdo. Riscos inerentes ao trabalho. Mas isso já não era trabalho, era sobrevivência, e agora estava estirado ao chão de terra, esperava que fosse terra,  e fugindo de... de... O quê era aquilo afinal?", foi tudo que conseguiu pensar Jean enquanto tentava ficar de pé. Tentativa que acabou tão rápido quanto começou. Ao tentar levantar bateu a cabeça no teto, que não era teto, era chão, o chão podre e encharcado de antes, pelo qual caíra. Ao fundo os relinchos das... das.. daquelas coisas.  Voltar por onde caiu não era mais opção.  Procurou a lanterna de LED e não encontrou. "Soltei quando caí?", pensou enquanto apalpava os bolsos à procura do isqueiro. Achou, acendeu e começou rastejar em direção a saída. Sequer havia uma saída desse buraco entre  o chão de terra, agora sabia que era realmente terra, e o piso? "Não, não, não, isso não pode estar acontecendo, não comigo", rastejava Jean em negação à procura de uma saída.



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⏰ Last updated: May 28, 2019 ⏰

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