Capítulo 1

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         - Merry,  Merry! Acorde, esta nevando!

          Não acorde Merry, pensei, se você não se mexer ele vai embora.

          -Merry, venha logo!

          É, talvez eu estivesse errada. Ele não iria embora tão cedo. Era mais fácil ceder de uma vez. Fui abrindo os olhos de vagar. Lá estava ele, literalmente em cima de mim.  No seu sorriso quase irradiava alegria e uma mecha de seu cabelo castanho cacheado cai sobre seus olhos castanhos.

         Tirei com cuidado ele de cima de mim, levantei e fiz um sinal para que ele ficasse quieto enquanto eu pegava minhas coisas. Peguei uma manta e minhas botas de neve e segurei na mão de Simon. Corremos para fora de casa de vagar e me assegurei de que ele não falaria nada até estarmos longe o suficiente de casa.

          -Aonde vamos?- ele sussurrou,  ciente do perigo que estávamos passando ao sair de casa assim. 

          -Ao lago- sussurrei de volta.

          Pude perceber um sorriso se formar em seus lábios rachados e eu também comecei a sorrir. O lago era o nosso lugar, mas não era apenas meu e de Simon lá,  era meu e de meu pai. Continuamos correndo em silêncio enquanto passávamos pelas casas da aldeia. Tanto eu quanto Simon sabíamos que não poderíamos ser pegos naquele momento. Se contassem a nossa mãe e a Johna estávamos perdidos. Pude perceber que Simon nem respirava, não sei se de ansiedade ou de precaução,  mas não respirava.

          Algumas casas da aldeia deixavam os lampiões acessos,  facilitando o nosso trabalho. Outras já não, nos deixando apenas com a luz da lua como apoio na noite escura. Em um momento breve de escuridão olhei para cima e contemplei a sua luz. Redonda e brilhante, como uma lâmpada de iluminava o mundo naquele momento,  pelo menos uma parte dele.

         Finalmente saímos da aldeia e chegamos a mata densa e branca. Galhos congelados e a neve acumulada no topo das árvores iluminados pela luz da lua davam mais beleza para aquela noite. Quando entramos na mata Simon voltou a respirar e eu soltei um risinho baixo. Estávamos próximo.

          -Estamos chegando- sussurrei para Simon- espere só mais um pouco.

          Continuamos correndo pela mata até que chegamos a uma clareira aonde havia um lago congelado que parecia dar mais ou menos duas vezes o tamanho da nossa casa. O sorriso de Simon aumentou e ele começou a tirar a bota e eu comecei a tirar a minha também. 

          -Venha, Simon- segurei a sua mão e o puxei para o lago assim que acabou de tirar as botas.

          Ele rio mais uma vez e sua risada me contagiou. Segurei suas mãos e começamos a patinar pelo lago congelado. Uma lágrima se formou no canto do meu olho esquerdo. Eu, meu pai e Johna sempre brincávamos ali e agora estar ali de novo, mas com Simon,  que era muito parecido com meu pai. Isso me encheu de tristeza por um momento, mas ela logo foi embora.

          De repente ouvi uma coisa se mexendo na mata. Paramos de patinar e olhamos para a mata na espera de ver alguma coisa. Pelo barulho que fazia eu esperava que fosse uma coisa grande,  não como uma raposa ou um coelho, coisa que sempre víamos. Esperamos mais um pouco para ver o que sairia da mata.  Simon ficou com medo e segurei na sua mão para acalmalo. 

          Mas o que saiu da mata não assustou a ele, assustou a mim. Ele seguiu em nossa direção com passos largos para que chegasse mais rápido. Ele parou com o rosto à vinte centímetros do meu e seu olhar me fuzilou . Ele esperava que eu abaixasse a cabeça e ouvisse o seu sermão de irmão, mas nós dois sabíamos que isso não aconteceria.

          Pude ver com o canto do olho minha mãe saindo da mata. Seus cabelos já eram metade branco, metade preto. Seus olhos, também castanhos, eram firmes e autoritários.  Ela não era uma mulher corpulenta,  mas com certeza aterrorizava qualquer um que a desobedecesse. Ela puxou Simon  pela mão e parou ao nosso lado.

          -De um jeito na sua irmã - ela disse para Johna com certa braveza na voz, apesar de nunca à ter visto realmente braba. 

          Depois minha mãe entrou na mata e seguiu no caminho de volta para casa puxando Simon. Johna ficou me olhando com seus olhos com uma estranha coloração roxa, assim como os meus e os de meu pai, e gélidos por um tempo, sua barba por fazer o dava uma aparência muito mais adulta do que ele realmente era. Seus cabelos pretos haviam sido aparados recentemente,  então não estava tão ameaçador assim. Pude ver no seu pescoço o colar que eu havia feito para ele. Um dente seu e um dente meu. Um colar assim como o meu.

          - O que você está fazendo,  Merry? - seu tom era ameaçador e continuaria sendo, mesmo que ele fosse careca, mas ele não me assustava.

          - Passeando no lago,  não dá pra ver? - meus olhos roxos encontraram os dele. Por um instante pensei que ele fosse me bater, mas então ele disse:

          - Você acha que é simples assim? Um dia você acorda no meio de uma noite de inverno e quer vir aqui, no lago? E aonda traz o Simon? Você é  uma irresponsável. Esperava mais coisa de você aos dezoito anos. Devia estar arranjando um trabalho, um marido...

          - Um lenhador chato como você?- o interrompi- Não, obrigado.

          - Claro que você não entenderia, é só uma criança.

          - Não sou uma criança!- protestei- E você é só três anos mais velho que eu, então é uma criança também.  O seu problema é que você amadureceu muito rápido

          - E você muito devagar.

          - Pelo menos eu não sou chata, egoísta...

          - Ah, claro que você não é egoista - ele me interrompeu e disse com sarcasmo.

          - Ah, cala a boca.

          Claro que eu não havia dito essas palavras de propósito e é claro que eu não devia ter gritado com ele. Mas também é claro que ele não devia ter me batido, então estávamos quites. Mas, mesmo estando quites, fiquei pasma quando sua mão encontrou a minha bochecha. Minha cara estava virada para o lado direito e contei até três, respirei fundo e me virei para encarar lo.

          Meus olhos se encheram de lágrimas contra a minha vontade e sem que eu me desse conta. Me sentei no chão, afundei a cabeça nas mãos e comecei a chorar e soluçar desesperadamente. Lembro - me que a última vez que chorei assim foi quando meu pai morreu. E o pior: eu havia recebido a notícia naquele mesmo lago.

        Johna se abaixou e ficou ao meu lado. Ele tentou segurar meu cotovelo, mas eu afastei sua mão e continuei a chorar. Me lembro de ter sussurrado algo como " saia daqui". E ele saiu, me deixando sozinha com meus pensamentos.

         Ouvi um barulho no meio do mato e virei minha atenção para lá. Dessa vez não foi meu irmão que saiu de lá, mas um menino com cabelos e olhos castanhos, ele parecia ser um pouco mais alto que eu e tinha uma franja que cobria seu olho direito. Ele se aproximou com o rosto um pouco corado e se sentou na minha frente.

         - O que você viu?- perguntei.

         - Tudo.- ele disse meio sem jeito -sinto muito por isso.

         - Certo, - sussurrei e limpei as lágrimas.

          - Sim, irmãos mais velhos são assim. Quer dizer, eu não tenho, mas devem ser. Então,  você vai me dizer o seu nome?

          - Merry Geller, e o seu?- perguntei. 

          - Jack, - ele estendeu a mão para mim- Jack Frost

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⏰ Última atualização: Oct 04, 2014 ⏰

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