cinzeiro

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as nuvens que com o forte vento balançam para lá e para cá, com as gotículas frias da chuva que escorre pelas correntes do balanço, até que atinjam o chão ou o pedaço de madeira antigo. o chão que se torna lamacento, e o único barulho presente é do vento forte e a água sendo despejada sobre as superfícies presentes. o silêncio do resto do universo é ensurdecedor, onde cada ser vivo existente daquele local, abriga-se para não se molhar.

os pássaros sem canto, as formigas no formigueiro, a grama molhada e a terra embebida em água. as flores sendo atingida com força e se dobrando, as moscas e joaninhas provavelmente debaixo de algum cogumelo ou uma folha qualquer. as nuvens cobrindo todo o céu, devolvendo a água que nos levou.

as capas de chuva de um ou outro que está caminhando, ainda não impedem ninguém de ter alguns respingos nos dedos das mãos e nos fios de cabelo. o bule grita na cozinha, o vapor embaça toda a janela, o som do relógio, além de constante, fica mais alto. o cheiro do café, do outro lado da sala fica mais forte, principalmente quando um antigo livro é aberto. os dedos constantemente batendo contra qualquer superfície de madeira.

a cadeira de balanço, arrancada da varanda para não estragar, balança fracamente sozinha, vez ou outra. o fogo quente da lareira iluminam o que está de frente, e apenas ele. o lampião ligado, já que as nuvens cobriam o sol e o céu azul. o jornal dobrado como um rolo torto, em cima da mesa. um vaso de flores amarelas, quase mortas. não identifico qual é tua espécime. queimando a ponta da língua e os lábios com o café, o vinil desligado deixa tudo mais simples e intenso. "posso me sentar ao teu lado e ficar perto de tua melancolia?"

o encolher do corpo contra as próprias vestes, ainda que protegidos pelas paredes e janelas da casa. o árduo dia que se finaliza com a chuva, que naquele instante parece que jamais irá acabar. os rabiscos numa folha de papel para distrair as crianças. um pano confortável e quente para deitar os cachorros. uma estação de trem com uma coberta para os desabrigados. uma lareira e um chá quente para os condes. um casaco de pele para as duquesas. trabalho contínuo para as domésticas. as folhas balançam e tudo se é regado, enquanto os donos de grandes terras torcem para que a tempestade não atrapalhe seu comércio e não acabe com sua plantação. os trabalhadores esquentam a própria casa para confortar a própria pele, a de suas esposas e filhos.

cinco da tarde. o silêncio se instala na cidade e apenas se ouve a natureza. mas o quê? tudo está escondido. talvez não esteja escondido o amor de qualquer casal apaixonado, que queima, enquanto dançam algum vinil antigo que possa acabar travando ao meio. talvez não esteja escondido a curiosidade de algum devorador de livros, com o póstumo do diário de algum renomado escritor. a atitude branda de uma caneta sobre uma folha, para a inspiração longa de um artista, a tinta contra a tela. no fim, nada se esconde.

há olhos que tudo vêem, e há olhos que vêem nada. nada está escondido, tudo se sabe, tudo se vê, tudo se sente, nada se entende. os raios iluminam o céu por milissegundos, quase não enxergaríamos se não fosse tão forte sua luz. não saberíamos sem olhar, se não fosse o trovão que escutamos ao fim, de um chão que fora marcado para sempre, com uma força surreal de algo que nem mesmo os maiores cientistas poderiam entender. como nuvens, feitas de água, criam uma força imensurável e rápida, para criar uma corrente de energia e luz que atinge nossa terra?

mais lenha é queimada.

como não pode enxergar a estrela que é, através de um espelho bem em sua frente? os astros de sua alma queimam por seus olhos e respingam a imensidão de quem tu és. os fantasmas de antepassados arranham as paredes tentando dizer que estás admirável. as jóias quase inexistentes em seu corpo são objetos desnecessários, porque tua alma brilha mais do que a massa solar que desconheço. tua voz é uma melodia suave que eu ouviria daqui até cem mil anos. tuas histórias vividas são como páginas de um livro que leria até derreter minha retina. quão esplêndida é sua existência.

o casebre de madeira próximo ao lago, molha quase todas as ferramentas que lá habitam há tempos. enquanto os pães, saídos diretamente do forno, esquentam a mesa do café, onde em abundância nós saciamos o pecado capital da gula. a chuva não nos permite fazer mais nada. sete horas. cada um para o quarto que lhe faz conforto durante a madrugada. janelas e portas trancadas. cachorro protegido. corpos cobertos, quente o suficiente para descansar sem que o frio peguem-nos desprevenidos. olhos fechados. ouvidos atentos. escuridão.

a lareira apagou.

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