Rio de Janeiro - Maio de 2018.Haviam três papéis brancos guardados entre as folhas velhas e amareladas de seu inseparável exemplar de Diário de Uma Paixão e Bárbara olhou pela última vez pela janela do avião observando o dia típico ensolarado que reluzia as águas da Baía de Guanabara. Antes de despedir-se no dia anterior havia pedido para que os três membros de sua família escrevessem cartas, mesmo que simples, para que pudesse ler durante o trajeto e todas as vezes que os sentisse falta. Sabia que Michel não era bom com as palavras e que Mariana reclamaria horrores por fazê-la escrever, assim como tinha noção que sua mãe demoraria horas para reproduzir algo que achasse o suficiente, mas apenas Bárbara entendia o significado que as letras de suas pessoas preferidas grafadas em um papel traziam para si.
Ela era amante da escrita e isso era um fato incontestável para qualquer um que a conhecesse minimamente. Adorava combinações de palavras e como ainda que em um arranjo não tão certo algumas vezes, eram capazes de fazer sentimentos serem transmitidos e guardados em folhas de papel. Talvez tenha sido por isso que ficou tão animada quando Tessa a informou que a empresa em que trabalhava procurava profissionais fluentes em português e questionou se poderia indicá-la para o cargo que buscavam. A resposta era óbvia; não poderia lhe ocorrer nada mais tentador do que ir a Nova York trabalhar no que mais gostava de fazer. A morena tentou criar o menor número de expectativas possíveis durante os quase seis meses de espera, mas era algo um tanto quanto impossível para alguém que tinha o terrível costume de sonhar demais. Entretanto, talvez fosse o poder de sonhar que a levasse cada vez mais perto de suas realizações.
Bárbara sentiu seus ouvidos entupirem pela pressão do avião e olhou pelo vidro da aeronave, observando a cidade cada vez menor embaixo de si. Era a primeira vez em 25 anos que iria para tão longe e sabia que sentiria imensa falta do local onde viveu durante toda a vida; desde os ambientes calorosos do Rio de Janeiro até cada pequena parte do apartamento em São Conrado herdado por sua avó materna no qual morava desde os sete anos. Bárbara era acostumada a se apegar a absolutamente tudo e era provavelmente isso que a fazia amar e aproveitar cada mínima coisa que fazia parte de sua vida.
Uma senhora de cabelos grisalhos estava sentada na poltrona ao seu lado e parecia tão aérea que a garota de cabelos castanhos sentia cada vez mais vontade de saber o que tanto pensava que a fazia devanear em pleno decolar do avião, porque apesar de já ter voado algumas outras vezes, ela jamais se acostumaria com a sensação estranha que a aeronave subindo a fazia sentir. Quando o voo já havia se estabilizado e a voz da comissária de bordo invadiu o som local avisando que o uso de aparelhos celulares já estava permitido, não demorou um segundo para colocar os fones no ouvido e dar play em sua playlist favorita das músicas que tanto gostava de escutar. Sorriu quando o inconfundível instrumento inicial tocou em seus ouvidos seguido da voz de Djavan cantando a canção que mais fazia seu coração aquecer. Flor de Lis fazia parte da trilha sonora da maioria de suas memórias e ela sorriu ao lembrar-se de todos os momentos bons em que a escutou, desde as manhãs de domingo com MPB que não poderiam faltar na família até as incontáveis risadas do dia em que aprendera a sambar junto à Mariana ensinadas por sua tão lembrada avó, que sempre fez questão de fazer valer todo seu sangue carioca nas duas mais novas da família.
Bárbara respirou fundo e permitiu-se pensar em todo o caminho que havia percorrido até que pudesse estar ali e ainda que houvesse sido um tanto quanto árduo, valia a felicidade que seu peito sentia em saber que brevemente estaria residindo em um lugar que sequer imaginou poder.
O mesmo que tampouco imaginava também ser o maior divisor de águas de sua vida.
Encarou a pequena fitinha vermelha amarrada no pulso esquerdo, a mesma a qual havia feito algumas promessas há alguns meses atrás e agradeceu a suas devoções pela ajuda em seu percurso, fechando os olhos alguns segundos depois para que pudesse descansa-los diante das longas horas que teria pela frente.
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Flor de Lis
Romance"Macarena prendeu os olhos na silhueta fina que dançava com a luz sobre si de uma forma quase magnética. Pôde jurar sentir seu coração bater um pouco mais forte no exato momento em que a encarou; ela tinha um sorriso tão bonito que mesmo que não tiv...