Quarta-feira, 18 de outubro de 2008.
Ando pela calçada marrom. Ela não é naturalmente marrom, mas sim pela horrível mistura de neve e lama dos calçados imundos dos pedestres. Meus sapatos, sempre engraxados, estão sujos pela lama da calçada. A neve está tão suja quanto o esgoto da cidade. O odor invade minhas narinas. Nunca senti tamanho desconforto. A cidade fede. Seus habitantes fedem mais ainda e eu fedo por causa desses porcos imundos, que se dizem humanos, mas são somente máquinas feitas para sujar a neve. Máquinas estranhas, iguais e diferentes daquilo que é humano. Meu cigarro se apaga pelo vento frio que assola a rua. Todos estremecem, cada um do seu jeito. Pensei que não fossem humanos, mas sentem tanta dor quanto eu. A diferença é que odeio esta dor. Odeio tanto quanto odeio aqueles que gostam dela e a aceitam. Em uma rua, acabo vendo um garotinho no chão. Seu pai, desesperado, tentando fazê-lo acordar. As pessoas ( se é que posso chamá-las assim ) passavam, apertavam a mão de seus filhos, cochichavam algo e continuavam andando, sujando a neve branca. Liguei para um conhecido meu, que é um ótimo policial, para salvar o garoto. Meu sobretudo está ficando sujo pela neve marrom. Meus pés estão congelados. Olho para a esquerda. Há um beco escuro e imundo. Nele, vejo duas silhuetas em uma posição extremamente bizarra para a temperatura do local. Eles transam de forma quase disforme. Acho que já vi aquela garota com outro homem naquele mesmo beco. O homem é um velho quase morto, seu rosto é indetectável por causa do escuro. A garota, com sua beleza singular, é conhecida pelo beco. O beco fica branco e a garota também. O beco se torna vermelho. Nunca vi tanto sangue sair de alguém. O pescoço da garota é destroçado pelo machado do velho. Seu olhar se torna estático e seus olhos se arregalam. Corri até ela. Meus sapatos e meu sobretudo se tornam vermelhos. Não vejo mais o velho. A neve agora é vermelha.
Sábado, 16 de novembro de 2017.
Passaram-se tantos anos. Dezesseis vítimas foram feitas desde a garota. Fui fraco. Devia ter perseguido o velho, mas a garota, com seu olhar, implorou para que eu ficasse. Ela queria ver um último humano de verdade antes de morrer. Fui tão fraco. Meu cigarro se apaga quando o vento frio passa. A neve agora é branca. Os sapatos dos pedestres estão limpos. Os meus calçados tornam a neve nojenta e fedida. O beco, à minha esquerda, continua frio e escuro. A neve é marrom. A neve ficará vermelha novamente. Blam.
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Histórias Bizarras onde o Protagonista Morre no Final
Short StoryEm uma cidade devastada pela indiferença e negligência, um detetive presencia algo terrível que muda toda a sua percepção sobre si mesmo e sua suposta humanidade.