ode à Roma

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Para o Júlio, que me mostrou que essa história precisa ser contada.




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É importante começar dizendo que não sou de contar histórias.

Durante todos os inúmeros anos que passei convivendo com os mais diversos seres, dos mais distintos lugares, a única coisa que me mantém entretida é ouvi-las. Pelas costas de um homem bêbado e eufórico em um bar, ao lado de um soldado em guerra, ou em um daqueles telefonemas longos de casais apaixonados. Eu ouço.

No pouco tempo de folga que me é permitido ter, paro, sento-me e observo a necessidade humana de compartilhar, totalmente incapazes de guardar todos os seus indomáveis sentimentos somente para si. Então, abro os ouvidos, para que o drama pessoal dos contadores de histórias possa adentrar meu corpo já castigado pelos anos. Após isso, volto ao trabalho, deleitando-me apenas com o que minha memória limitada é capaz de lembrar — não que seja culpa dela, já ouvi mais histórias do que sou capaz de contar, e só me permito lembrar as que realmente importam. Digamos que sou uma ouvinte exigente.

Entretanto, jamais as conto. A arte de contar histórias não é um de meus domínios, felizmente. Contadores são extremamente dramáticos e exagerados, isso se dá porque querem apropriar-se dos sentimentos relatados. A realidade é muitas vezes mais crua e límpida, coisas essas que nem sempre posso me dar o luxo de ser. Mas, fugindo de meus costumes, há histórias que simplesmente precisam ser contadas.

Pois bem, é sua vez de abrir os ouvidos.

Roma Simmons é, certamente, o tipo de pessoa que você tem que olhar duas vezes. Porque a primeira vez parece um delírio, uma alucinação causada pelo copo a mais de café, e pelas gotinhas de vodca colocadas nele, que você tomou pela manhã. A segunda é um beliscão, o aviso de que é real e que você foi privilegiado com a oportunidade de observá-la, nem que seja de longe e por alguns míseros segundos.

Roma foi feita para ser notada.

Naquela noite em particular, ela passou totalmente despercebida. Era somente mais uma das almas inteiramente despedaçadas daquele hospital. E, como todas as outras, clamava por algo a mais. Seus lábios tremiam, vez ou outra iam de encontro com os nós de seus dedos arranhados. Os enormes olhos castanhos escuros de Roma, que um dia foram brilhantes e eufóricos, analisaram cautelosamente um dos quadros pregados na parede. A pintura representava um navio afundando em um espesso mar alaranjado, somente com sua proa à mostra. Ela se sentia exatamente daquele jeito: se afogando. Sem direito a botes, nem salva-vidas. Só havia uma angustiante falta de ar.

— Roma Simmons? — Uma das médicas chamou, ao vazio, tentando reconhecer a mulher que compartilhava o nome com a capital italiana naquele cemitério de esperanças. Os olhos molhados de Roma enfim se encontraram com os dela, e foi o bastante para que prosseguisse. — Você pode vê-lo agora.

A garota respirou fundo ao entrar no quarto, não queria começar a chorar, sabia que se começasse, não seria capaz de parar. Queria ser forte, e se não conseguisse, fingiria ser. Sempre foi boa nisso.

Fingir.

Fingiu que estava tudo bem quando colocou os óculos escuros e a jaqueta favorita do pai e dirigiu sem se preocupar se estava dez ou vinte quilômetros acima do permitido. Fingiu que estava procurando algo para amar, quando o que mais amava estava bem ali, na ponta de seu nariz. E, talvez a pior coisa que ela fez naquelas últimas semanas, fingiu não se importar com Noah Jackson, quando ele claramente havia se tornado seu lar.

Pegou na mão dele. Não havia mais o calor confortável que sentiu dias atrás. Quase não o reconheceu sem o bronzeado descolado e o brilho natural que ele exalava — como se fosse o céu e todas as estrelas morassem em sua pele. Inspirar e respirar tornou-se a tarefa mais difícil quando ela o tocou. Todo o ar do quarto se esvaiu, sobrando apenas uma dor crescente no peito de Roma que, devagar, acabava com cada pedaço de felicidade que ainda existia dentro dela.

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⏰ Última atualização: Feb 06 ⏰

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