"Não sou conduzido, conduzo"
De acordo com dados do IBGE (), a cidade de São Paulo, capital do Estado de São Paulo deste grande país do hemisfério sul Brasil, possui uma população estimada em 2018 de 12.176.866 pessoas, dispersas em um território de 1.521,11 km² e com um total de receitas realizadas em 2017 de 54 bilhões de reais.
Locomotiva do Brasil, terra da garoa, cidade que nunca dorme, avesso do avesso do avesso do avesso nas palavras eternas do compositor Caetano Veloso, a cidade é uma mescla de todas as cidades invisíveis do Italo Calvino, com um quê de Macondo, para não desmerecer nossa herança latino-americana e traços dos trópicos. Como principal centro econômico da América do Sul e cidade mais populosa do hemisfério sul, a metrópole brasileira coleciona recordes e superlativos, traduzidos no lema em latim de seu brasão oficial: "Non ducor, duco" ou, na belíssima flor do Lácio, " Não sou conduzido, conduzo".
Em dados coletados na Prefeitura de São Paulo (), essa população de trabalhadores incansáveis, com toque de Midas e produtora de tantos bens, era composta em 2010 de 5.328.632 homens e 5.924.871 mulheres, dos quais 6.824.668 se intitularam brancos; 736.083 pretos, 246.244 amarelos, 12.977 indígenas e 3.433.218 se classificaram como pardos. Essa população majoritariamente, no seu entender, branca e com ligeira maioria de mulheres, é uma mescla de nativos e migrantes de todos os estados do Brasil e de alguns países do mundo.
São corpos ávidos de trabalho, cultura e conhecimento, perdidos na região metropolitana, em interação constante entre si e com a cidade.
Corpo
Os professores André Mota, Eucenir Fredini Rocha e Marcelo Arno Nerling, docentes do Coletivo Diversitas da USP, no plano de trabalho da disciplina "Corpo, Conhecimento e Compreensão na Cidade" do Programa de Mestrado e Doutorado de "Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades", filosofam que:
"Que corpo é esse? A sua banalização, o corpo violência, o corpo espetáculo, o corpo e as tecnologias médicas e da cultura contemporânea, o corpo mutável, o corpo vendável, o corpo do trabalhador, o controle do corpo dentro e fora do trabalho, o corpo e a sexualidade e os gêneros, o corpo e a mídia, o corpo e os massacres e extermínios, o corpo anormal e patológico, o corpo intoxicado, o corpo dos diferentes e dos "desinteressantes" para o sistema político e econômico, os corpos que valem e os corpos que não valem, os corpos matáveis e os descartáveis no tempo e no espaço."
A cidade não é constituída de corpos perfeitos. Os paulistanos, nativos ou migrantes, são como tapetes iranianos que, para agrado da divindade, sempre ostentam alguma imperfeição, que os tornam menos produtivos na lógica impiedosa do capitalismo. O professor da UERJ Francisco Ortega, em seu artigo na Physis – Revista de Saúde Coletiva "Corpo e tecnologias de visualização médica: entre a fragmentação na cultura do espetáculo e a fenomenologia do corpo vivido", explana que há a idealização do "corpo total" ou "totalidade bela", modelo burguês de perfeição inalcançável, e o modelo mais realista do "corpo grotesco" da cultura popular medieval que sobreviveu até o final do século XVIII, que é "um corpo permeável para outros corpos e o mundo, cheio de orifícios e aberturas que permitiam uma troca intensa com o ambiente e o cosmos".
Mas os corpos diferentes têm que trabalhar, produzir e gerar riqueza, para benefício da engrenagem capitalista e para resguardo de sua dignidade. Dentre esses corpos "imperfeitos", há os corpos com deficiência. A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo () define os seguintes tipos de deficiência:
Deficiência Física - Engloba vários tipos de limitações motoras, como paraplegia, tetraplegia, paralisia cerebral e amputação.
Deficiência Intelectual – Limitações significativas no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, que aparecem nas habilidades conceituais, sociais e práticas, antes dos 18 anos. A pessoa com deficiência intelectual não é necessariamente considerada incapaz de exercer sua cidadania.
Deficiência Auditiva – Redução ou ausência da capacidade de ouvir determinados sons em diferentes graus de intensidade. Não é correto utilizar o temo surdo-mudo. A pessoa surda "fala" em sua própria língua e com terapia fonoaudiológica pode desenvolver a fala oral.
Deficiência Visual – Redução ou ausência total da visão, podendo ser dividida em baixa visão ou cegueira. O termo cego pode ser utilizado normalmente.
Surdocegueira – Deficiência única, que apresenta a perda da visão e da audição concomitantemente em diferentes graus.
Deficiência Múltipla – Associação de duas ou mais deficiências. Ex: deficiência intelectual associada à deficiência física.
Esses corpos com deficiência, com suas limitações humanas, têm direito à cidade?
Lei 13.146 de 6 de julho de 2015
Tem direito sim e precisam ser inclusas, com apoio das leis e do Estado. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência é "destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania" ().
Foi sancionada pela então Presidenta da República Dilma Roussef em 6 de julho de 2015 e publicada no Diário Oficial da União em 07 de julho de 2015. Possui 127 artigos distribuídos em dois livros (PARTE GERAL; PARTE ESPECIAL); sete titulos (DISPOSIÇÕES PRELIMINARES; DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS; DA ACESSABILIDADE; DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA; DO ACESSO À JUSTIÇA; DOS CRIMES E DAS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS; DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS); e dezoito capítulos (DISPOSIÇÕES GERAIS; DA IGUALDADE E DA NÃO DISCRIMINAÇÃO; DO DIREITO À VIDA; DO DIREITO À HABILITAÇÃO E À REABILITAÇÃO; DO DIREITO À SAÚDE; DO DIREITO À EDUCAÇÃO; DO DIREITO À MORADIA; DO DIREITO AO TRABALHO; DO DIREITO À ASSISTÊNCIA SOCIAL; DO DIREITO À PREVIDÊNCIA SOCIAL; DO DIREITO À CULTURA, AO ESPORTE, AO TURISMO E AO LAZER; DO DIREITO AO TRANSPORTE E À MOBILIDADE; DISPOSIÇÕES GERAIS; DO ACESSO À INFORMAÇÃO E À COMUNICAÇÃO; DA TECNOLOGIA ASSISTIVA; DO DIREITO À PARTICIPAÇÃO NA VIDA PÚBLICA E POLÍTICA; DISPOSIÇÕES GERAIS; DO RECONHECIMENTO IGUAL PERANTE A LEI).
Conforme cita o parágrafo único do Artigo 1:
"Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do , em conformidade com o procedimento previsto no , em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo , data de início de sua vigência no plano interno."
Esta legislação é um grande passo para garantir os direitos desses corpos com deficiência no usufruto total da cidade, em uma interação benéfica entre si e com os outros corpos. Cidade saudável igual a corpos participativos. O que preocupa é que esses direitos humanos básicos ainda não sejam integralmente respeitados e a luta de pessoas com deficiência seja ainda árdua, vide acessibilidade, oportunidades de emprego, opções culturais, etc.
Eros vencerá Tânatos; Sísifo derrubará sua pedra e a quebrará em mil pedacinhos. "Ninguém solta a mão de ninguém". Esta é a conclusão a que se chega quando se pensa em um futuro utópico em que esse presente de caos e balbúrdias poderia se metamorfosear.
Autoria: Marcelino Antonio de Medeiros Nobrega
Disciplina: Corpo: Conhecimento e Compreensão na Cidade
Programa: Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades
Coletivo Diversitas - USP
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Corpos com Deficiência em São Paulo
No FicciónContribuição dos corpos com deficiência para a cidade mais rica do Brasil.