A partir deste capítulo, quem irá revelar seus fatos é o próprio guardião Rei das sete. Servi somente de instrumento de comunicação e registro, sem nenhum tipo de interferência escrita ou animismo que pudesse desvalorizar ou faltar com o respeito com a história desse grandioso exu.
...Nasci em meados de 1700,em uma aldeia no sul da África.Meu pai era chefe daquela tribo africana e eu como sendo o primogênito, seria o seu sucessor quando chegasse a hora de sua partida.Não estarei citando nomes carnais para que mantenha a ordem, privacidade e até mesmo a segurança de meus entes familiares, pois os mesmos não sabem que hoje no mundo espiritual, sou um guardião e isso deve manter-se do jeito que está.
Assim como eu,muitos de meus irmãos africanos tiveram destinos parecidos e histórias semelhantes à minha.
A aldeia era um lugar sofrido, mas de muito respeito e união, ali todos trabalhavam juntos em prol da nossa sobrevivência.
Quando completei nove anos de idade, comecei a participar de tarefas da tribo
.Sempre fui muito ativo, minha personalidade naquela tenra juventude já mostrava que eu não era de aceitar desaforo, não importasse o tamanho da encrenca que eu me metia.
Certa vez, dormíamos tranquilos quando fomos surpreendidos pelos gritos das mulheres que moravam na aldeia.Homens europeus invadiram nosso espaço, abusaram friamente de mulheres e jovens meninas, atearam fogo em nossas casas feitas de palha e barro.Alguns homens foram mortos, outros capturados, entre eles, eu e minha família.
Batiam-nos, fomos acorrentados e assim levados para o litoral da região. Caminhamos dias e dias sendo açoitados, sem uma alimentação digna, e nem se quer respeito.
Os que tentavam se rebelar eram mortos ou mutilados jogados pelo meio do caminho, crianças assistiam aquele circo de horrores a céu aberto, muitas vezes vendo seus próprios pais sendo assassinados na sua frente. Em uma tarde infernal, chegamos a um local onde havia uma enorme embarcação.Nos jogaram ali em um porão e zarparam em destino a uma nova terra há 2 séculos descoberta, mas que possuía riquezas intermináveis.O sofrimento e a crueldade era tanta que eu pedia aos deuses que adormecesse e nunca mais acordasse.
Certa madrugada de tempestade, alguns homens entraram no porão, abusaram sexualmente de muitas mulheres, inclusive de minha querida mãe.Meu pai não suportando tamanha atrocidade reagiu em um momento de fúria, mas foi cruelmente atacado e praticamente sem forças vitais foi lançado no mar.
Meu estado emocional, já não me permitia escorrer uma lágrima, toda raiva e tristeza se acumulava dentro de mim. Só jurava vingança a todos aqueles malditos europeus imundos que nos arracaram de nosso lar.
Aportamos na costa brasileira cerca de cem escravos que sobreviveram, naquela altura os nativos do lugar também já haviam sido escravizados e muitos irmãos também. Entramos em um enorme casarão, onde havia vários senhores comprando e vendendo escravos.Eram lotes e lotes de humanos sendo leiloados feito carne de exportação.
Fui bruscamente separado de minha mãe, ela ainda era jovem e foi vendida para um senhor de fazenda de algodão para servir de cozinheira e satisfazer os desejos nojentos daquele desgraçado.Ja eu fui para uma fazenda de café.Como sempre tive uma estrutura corporal forte, fui direto para o trabalho braçal, mesmo sendo tão jovem.
Naquele lugar, éramos obrigados a seguir as ordens cristãs, assistir missas, aprender a palavra do senhor, o Deus dos brancos.Se fossemos pégos cultuando nossas divindades, na melhor das hipóteses éramos açoitados e na pior queimados vivos, dados como bruxos e feiticeiros adoradores de demônios.
Com o passar do tempo, procurava uma forma de tornar as coisas menos cruéis pra mim.A sinhá , esposa do Barão tinha um certo apreço pela minha pessoa, me ensinou a ler, me dava alimentos dignos escondida do marido e em troca eu realizava seus fetiches da carne.Nessa época, eu cuidava das ferramentas usadas para o plantio, e a noite era o advogado dos escravos, o conselheiro entre os irmãos escravizados, daí surgiu a fama de doutor dos escravos, pois era o mais astuto e "estudado" da senzala.
O barão viajava muito e a esposa ficara meses sem sua companhia.Em um desses retornos, descobriu que sua amada esperava um bebê.
Sua alegria era tanta que realizou uma gigantesca festa, serviu vinho e aguardente aos convidados, aquela noite ninguém fora açoitado.
No dia em que a criança nasceu, foi o mais sangrento que presenciei em minha vida.De onde eu estava cuidando de minhas ferramentas, ouvia gritos,choro e objetos sendo arremessados, o velho barão estava enlouquecido pois sua mulher havia dado a luz a um menino de pele escura, uma afronta ao nobre barão de alta linhagem :
- Sua maldita rapariga! Como ousa a dar a luz a um menino mulato, um negro imundo! Responda-me, andas tu traindo-me com esses escravos? Responda!Da sinhá só se ouvia choro e soluços desesperados de medo e pavor.Nunca imaginei que um homem pudesse ser tão cruel.Mandou literalmente despachar o menino na mata,reuniu todos os escravos à frente do casarão e chicoteou a mulher até a morte.Percebi naquele momento que eu também não sairia vivo dessa vez.
Todos os homens negros foram colocados em sua frente, enquanto aos berros perguntava quem havia causado tamanha vergonha e traição.:
-Digam-me seus inúteis, quem foi que me traiu! Se o negro teve coragem de seduzir minha mulher, então ele vai ter que ter coragem de se revelar!
Todos estavam de cabeça baixa, alguns tremiam de medo, outros esboçavam um ar de deboche, confesso que eu era um deles.Muitos irmãos foram torturados, era um massacre diabólico. Até que a escrava mucama que acompanhara sempre a sinhá e era sua confidente falou;
-Meu senhor! Pare por favor! Eu sei quem foi o homem que causou tudo isso!
-Se sabes a verdade porque não me contaste o que estava acontecendo? !
-Tive medo de ser castigada e que o senhor não acreditasse em mim!
-Então agora de a mim um bom motivo para que eu não a chicoteie aqui mesmo até não sobrar uma lasca de couro de tua pele escrava!
-Sua sinhá era apaixonada pelo escravo que cuida das ferramentas de lida no café.Varias noites ela saia escondida ao encontro desse homem, era por isso que ela não contestava suas viagens longas, pois sabia que seria mais fácil de realizar seus desejos íntimos sem que o senhor soubesse.Aquela negra maldita me entregou de bandeija para o barão, naquele instante eu é quem sentia uma imensa vontade de esfolar aquela desgraçada. O barão se aproximou de mim e chibateou-me no rosto, a dor que eu senti não era maior do que o meu ódio.Depois de ser golpeado, atrevido do jeito que era, encarei o velho no fundo dos olhos, realmente eu não tinha medo do perigo, era um escravo um tanto quanto diferente de meus irmãos. Logo outra chibatada :
-Como ousas tu crioulo, encarar-me nos olhos, não percebes que sou o seu senhor é que me deves respeito e temor? !
-Não devo nada a você seu velho imundo!
-Levem esse negro atrevido para o mato, amarrem ele em um tronco que eu vou me encarregar do resto!
Assim fui arrastado até a mata. Perdi a conta de quantas chibatadas levei, até que em uma noite escura, um irmão que conseguira escapar da fazenda, ajudou-me a me libertar. Eu só pensava em vingança por tudo que passei desde quando fui tirado da África até aqueles tempos mais tenebrosos.Escondia-me no topo das árvores e vigiava a fazenda. Descobri que naquele mato , existiam sete caminhos que se cruzavam entre si e levavam até a fazenda, tamanha era minha astúcia que ninguém notara minha presença.
Criava armadilhas e saqueava as carroça que por ali passavam, algumas trazendo iguarias e escravos.Libertei muitos irmãos, alguns deles fugiram mata a dentro, outros capturados eram levados de volta para o domínio do velho.Os que sobreviviam, contavam histórias de que no caminho das sete encruzas havia um negro que libertava os irmãos e muitas vezes os curava com ervas. A lenda se expandia na fazenda, de doutor dos escravos, me tornei o homem dos sete caminhos, que agia na noite e sabia de tudo.
O barão arrancava os poucos cabelos que ainda lhe restavam tentando descobrir quem era esse homem,já que ele era uma ameaça para suas terras.
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Mojuba Exu Rei Das 7 Encruzilhadas; O Doutor Dos Sete Caminhos
SpiritualDe escravo à chefe de falange no reino dos guardiões. Nem todos aqueles que hoje são reis , em vida foram majestade... Para aqueles que acreditam e depositam sua fé nos cultos afro-brasileiros, os convido a conhecer os relatos deste guardião que tan...