— Então Hela abriu a barriga dele e as tripas saltaram para fora enquanto o garoto gritava. Aí apareceu o lobo Fenrir, com seus dentes enormes e sangrentos e comeu ele em uma bocada só.
Nesta hora a luminária a gás se apagou e berros maiores que os meus se espalharam na casa abandonada quando todos ouviram, saltando das sombras, um rugido feroz.
Enquanto lutava para manter minhas calças secas ouvi uma gargalhada. Um lobo enorme invadia o nosso esconderijo e eu ouvia risos de uma garota. Dizem que antes de morrer, nossos maiores desejos vêm à tona.
— Você é um péssimo contador de estórias, Kiku — disse uma menina com cabelos cor de fogo reacendendo a luminária e colocando de lado uma espécie de megafone.
— Quase nos matou de susto! — reclamou Kikuchi levantando-se em um salto.
Kikuchi não era mais velho que eu, acho que tinha 15 na época. É triste assumir, mas aquele garoto, descendente de uma família que vinha do que antigamente chamavam de oriente, era bonito. Seus braços eram fortes, enquanto os meus pareciam mais com gravetos de goiabeira.
A ruiva imitadora de lobos entrou, abraçou e deu um beijo no rosto do bonitão oriental. Para mim foi apenas limitado um "oi" com um aceno de mão sem vontade.
— Pessoal, essa é Alícia, ela é nova no vilarejo. — Kikuchi fez as apresentações.
Acho que comecei a babar depois que meu queixo caiu diante da menina mais bonita que já tinha visto. Seu rosto era branco e as sardas sobre o nariz deixam-na ainda mais encantadora.
— Nossa, vocês acreditaram que Fenrir iria aparecer por causa dessa estorinha? — zombou ela sorrindo para mim.
— Não, pensei apenas que tinha alguma coisa grotesca atacando a gente. — Tentei explicar.
— Ah, então eu sou uma coisa grotesca?
— Claro que não, muito pelo contrário.
Naquele momento minha cara ferveu e deveria estar mais vermelha que um braseiro. Tudo bem que ninguém deve ter percebido, a luz era péssima e todos ainda se recuperavam do susto.
Depois de todas aquelas guerras, faziam poucos anos que havíamos encontro o vilarejo após a grande inundação. Sendo assim, qualquer barulho mais alto já era motivo para pânico.
— Querem ver um deus de verdade?
Nós três, Sabrina, Kikuchi e eu ficamos nos entreolhando calados enquanto a chama da luminária bruxuleava nos olhos verdes da novata que prosseguiu:
— Existe uma lenda. Quando Loki se libertou do vulcão, ele atacou Thor, buscando sua vingança. O deus do trovão levantou o seu martelo, mas nada aconteceu. Os homens estavam roubando toda a energia de Mjolnir. Então Thor ficou furioso e castigou os homens antes de proibir que usassem o seu dom. E hoje, se você ligar uma máquina elétrica em nome de Loki, ele aparece para agradecer e concede um desejo.
— Desejo? — Quis saber Sabrina.
— É, um desejo, algo que você queira muito. Ouvi dizer que foi assim que Loki deu os navios para o reverendo salvar a gente.
— Espere um pouco, se o martelo do Thor falhou, como ele derrotou Loki e castigou os homens? E mais, o reverendo nunca iria usar algo elétrico, muito menos fazer acordos com Loki.
— Você faz perguntas demais, Marlon — falou Kikuchi. — Por que tem que ser tão medroso?
Tive vontade de dar um soco naquela cara perfeita, mesmo sabendo que depois do soco eu levaria uma bela surra dele. Eu tentava balbuciar algo quando Alícia deu uma de deusa da trapaça: