Capítulo 2: Jung Hoseok

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No fim da rua, no cruzamento da Mill com a Marcher, mais aldeões juntam-se à marcha e a multidão aumenta. Um bando de moleques — ladrõezinhos em treinamento — se move pelo
tumulto com seus dedos grudentos e curiosos. São jovens demais para serem bons nisso, e os
agentes de segurança logo intervêm. Normalmente as crianças seriam mandadas para o tronco
ou para a cadeia no entreposto, mas os agentes querem ver a Primeira Sexta. Eles se contentam
em dar algumas surras e deixar os ladrões irem. Pequenas caridades.
A menor pressão na minha cintura me faz virar para trás instintivamente. Agarro aquela mão
tola o bastante para tentar furtar de mim. Aperto tão forte que o diabinho não vai conseguir
escapar. Mas, em vez de um moleque mirrado, me deparo com um rosto sorridente.
Jung Hoseok. Aprendiz de pescador, órfão de guerra e provavelmente meu único amigo de
verdade. Costumávamos brincar de lutinha quando crianças, mas agora que estamos mais
velhos e ele tem uns trinta centímetros a mais que eu, procuro evitar disputas. Acho que Hoseok
pode ser útil. Para alcançar prateleiras altas, por exemplo.
— Você está mais rápido — ele ri, soltando-se da minha mão.
— Ou você mais lento.
Ele faz uma cara de tédio e apanha a maçã da minha mão.
— Esperamos Rosé? — pergunta, abocanhando a maçã.
— Ela tem um passe para ficar o dia inteiro. Trabalhando.
— Então é melhor irmos. Não quero perder o espetáculo.
— Que tragédia seria…
— Tsc, tsc, Minnie — ele provoca, balançando o dedo na minha cara. — É pra ser divertido.
— É pra ser um aviso, seu burro.
Nisso ele já caminha a passos largos, forçando-me a quase correr para acompanhar o ritmo.
O andar gingado, desequilibrado. “Passos de marujo” é como ele chama, embora nunca tenha
estado em alto-mar. Mas acho que as longas horas no pesqueiro do seu mestre, ainda que no
rio, tendem a produzir algum efeito.
O pai de Hoseok foi mandado à guerra, assim como o meu. Mas, enquanto o meu regressou
sem uma perna e um pulmão, o sr. Jung voltou dentro de uma caixa de sapatos. A mãe de Hoseok fugiu logo em seguida, deixando o filho abandonado à própria sorte. Ele quase morreu
de fome, mas por algum motivo continuou pegando no meu pé. Eu o alimentava só para não ter
de enxotar aquele saco de ossos o tempo todo. Hoje, dez anos depois, aqui está ele. Pelo
menos ocupa um posto de aprendiz e não vai ter que encarar a guerra.
Chegamos ao pé do monte onde a multidão se apinha entre empurrões e cutucões. É
obrigatório comparecer à Primeira Sexta, a menos que você seja um “trabalhador essencial”,
como minha irmã. Como se bordar seda fosse essencial. Mas os prateados adoram seda… Até
os agentes de segurança podem ser subornados com peças costuradas pela minha irmã. Não
que eu saiba algo sobre isso.
As sombras ao redor escurecem à medida que subimos os degraus de pedra rumo ao topo da
montanha. Hoseok vai de dois em dois e quase me deixa para trás. Mas ele se detém e espera,
sorrindo para mim com malícia, e tirando uma mecha do cabelo castanho de seus olhos.
— De vez em quando esqueço que você tem pernas de criança.
— Melhor do que ter cérebro de criança — rebato, dando-lhe um tapinha na bochecha ao
passar. O som da sua risada sobe os degraus atrás de mim.
— Você está mais mal-humorado do que o normal.

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⏰ Última atualização: Jul 05, 2019 ⏰

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