Tudo começou quando eu me mudei de escola, não queria ir pra lá de jeito nenhum, eu sempre fui um filhinho de mamãe que sempre teve tudo que queria e todo o dinheiro que precisasse, sempre estudei em escolas particulares, então foi revoltante ter que ir para uma escola pública, mas eu sabia que era necessário.
Chegando lá, sentei no famoso "fundão", mesmo obviamente não conhecendo ninguém.
Era o ano em que todos que fossem bem sucedidos, iriam se formar, então não estava ligando muito pra nada relacionado a estudos, o que facilitou minha socialização naquela sala.
E logo já virei amigo da galera do fundo, tinhamos formado um time de futebol, grupo para sair, tudo, estavamos todos muito entrosados.
Em uma sexta-feira, tínhamos futebol, fui escolhido rapidamente pois jogava em categoria de base da cidade. Tirei minha blusa quando comecei a soar muito, muitas meninas ficaram olhando e comentando com outras, mas não me importei, nenhuma me interessava.
Então, recebi uma bola enfiada perto da área, arrisquei chutar, infelizmente ( ou felizmente ) errei o chute, que bateu na trave e foi em direção a uma garota que passava por trás do gol. Sem pensar duas vezes fui até lá para ajudá-la.
- Oi moça, mil perdões, você se machucou?
- Oi, tá tudo bem, só quebrei meu óculos.
- Deixa que eu te pago outro, só me fala seu grau.
- É 2,75 o direito e 3 o esquerdo- a moça ri - mas não precisa, obrigada!
- Eu insisto, foi culpa minha.
- Ei, de verdade, deixa pra lá.
Acabamos rindo juntos, mal sabe ela que eu não ia deixar isso de lado.
Comecei a notar um pouco ela, achei-a um pouco atraente, mas nada que me fizesse querer mais do que uma amizade.
A aula acabou, fui para casa, entrei no meu quarto, troquei minha roupa e desci rapidamente para pedir um "trocado" para minha mãe para comprar o que devia para a menina do óculos.
- Mãe, você pode me dar um dinheiro?
- Pra quê? - disse duvidosa.
- Quebrei o óculos de uma menina e preciso pagar outro pra ela.
Meio duvidosa, enfiou a mão na carteira e a ergueu.
- Toma aqui, trezentos reais.
Era mais do que o suficiente para o óculos, então eu resolvi ficar pra mim.
Chegando no outro dia na escola, primeiro horário teria um trabalho em dupla, logo fiquei feliz, amava
fazer trabalhos com companhia, mas para tirar a minha felicidade, o professor que escolheria as duplas.
- Lucas, você vai fazer com a Amanda.
Logo, em duvida, me perguntei quem era essa "Amanda", e no mesmo instante, ela levantou. Para minha surpresa, Amanda era a garota do óculos, ela era tão quieta em sala que eu não tinha visto ela lá até este dia.
Eu não queria fazer esse trabalho, então tive a ideia de marcar o dia e não comparecer.
- Garota do óculos! Oi.
Ela solta uma gargalhada
- Garota do óculos? definitivamente o apelido menos criativo que já tive até hoje.
- Muito engraçadinha você, mas enquanto fazemos o trabalho, pensarei em um melhor. Aliás, quando vamos fazer?
- Está em suas mãos.
- Antes disso, toma, o seu óculos como prometido.
Ela arregala o olho como quem não acreditava.- Nossa, não precisava, mas muito obrigada! - disse sorrindo.
- Denada. Agora vamos, decide quando iremos fazer.
- Tudo bem, sábado as 15:00 horas na minha casa, pode ser?
- Ótimo, estarei lá.- já sabendo que não iria.
Eu sabia que ela era inteligente e por isso, estava convicto em deixá-la fazer o trabalho sozinha.
Chegou sábado, meu despertador tocou as 12:00, haveria um jogo das quartas de finais do meu time, claro que eu não iria deixá-los na mão.
Depois de um jogo complicado, saímos vitoriosos e fomos rumo as semifinais, então, cheguei em casa por volta das 17:00 e resolvi ligar meu celular, onde havia 3 mensagens da Amanda.
- Ei, bom dia, você vai vir?
- Você está atrasado.
- Mas tudo bem, vou fazendo o trabalho enquanto você não chega.
Tive que inventar uma desculpa pra ela não ficar chateada...
- Oi Amanda, desculpe por não ir hoje, minha mãe passou mal e eu tive que levá-la no hospital e ficar com ela.
Dois minutos depois, Amanda responde.
- Tudo bem, eu já fiz o trabalho então não tem problema, melhoras pra ela.
E desde então , começamos a conversar todo dia pelo celular, todas as manhãs até todas as noites.
Chegando segunda-feira, ao entrar em sala, dei de frente com a Amanda, que me abraçou fortemente e queria notícias.
- Bom dia, como sua mãe está?
- Minha mãe? - Logo me lembrei - Ah minha mãe, ela está bem, obrigado por perguntar.
Amanda olhou com uma cara desconfiada, mas deixou passar despercebido.- Tudo bem, qualquer coisa me informe.
E apartir deste trabalho, todos em diante eu e Amanda começamos a fazer juntos, o que nos fez aproximar ainda mais, consequentemente conheci os pais dela e eles me adoraram, me enchiam de mimos e conversas quando eu estava em sua casa, fazendo variados trabalhos. A mãe de Amanda até suspeitou que namorassemos, mas não passava de uma boa amizade, até então.
Certo dia, tínhamos, comumente, mais um trabalho a ser feito, mas estava cansado de ir na casa dela, então fiz um convite um pouco inesperado.
- Amanda, que tal se fizéssemos este trabalho lá em casa? Pra variar um pouco?
- Pode ser então, neste sábado?
- Confirmado.
O que ela não esperava, era que em todas essas uniões para fazer trabalho, comecei a sentir um certo desejo nela, sempre pareceu recíproco, mas nunca dissemos nada.
Quando chegou sábado, meus país tinham ido viajar de última hora e me deixou cuidando da casa sozinho, ao bater 15:00 horas no relógio, pontualmente, Amanda chegou.
Ela bateu na porta, quando abri, me espantei, ela estava linda, sorridente e com o óculos que eu a tinha presenteado.
- Amanda! Vamos, entre.
E então começamos a fazer o trabalho, mas eu não conseguia prestar atenção no que ela me ensinava, eu estava perdido, concentrando meu olhar nos lábios, e naquele lindo corpo que ela tinha.
Quando ela reparou, rindo, perguntou-me.
- Tudo bem aí?
Logo dei um sorriso sarcástico e a beijei, o que foi voluntariamente aceito.
Comecei a despi-la, então fomos ao que me interessava, o que eu não esperava é que ela era virgem.
- Vai com calma. - Rindo, me encarando com desejo.
Então, depois de terminamos, ambos satisfeitos, ela tinha que ir embora.
Na hora da despedida, inclinou-se para me dar um selinho, desviei e ironicamente disse.
- Vai com calma. - Disse rindo.
Na segunda-feira, entrei em sala diretamente procurando-a, e não a encontrei, o que foi estranho, já que ela não faltava nem se quer um dia, mas, dane-se, não me importava muito. Terça-feira, quarta-feira e nada da Amanda, ela não respondia minhas mensagens, então decidi ir na casa dela depois da aula.
Quando cheguei lá, bati na porta e ela mesmo me atendeu, muito triste e cabisbaixa.
- Lucas? O que tá fazendo aqui? - Perguntou assustada.
- Amanda, você não vai a escola a dias, o que aconteceu?
- Nada, só estou passando um pouco mal, não se preocupe.
Percebi que ela estava escondendo seu braço, e na primeira chance que tive, vi varios cortes em seu antebraço. Desesperado, perguntei.
- Amanda, o que aconteceu?
- Você não entenderia.- Começou a chorar desesperadamente.
Entrei com ela para o quarto, ela não conseguia me dizer nada, apenas chorar continua e incessantemente. Resolvi ficar, fazendo carinho em seu lindo cabelo, agora liso pois não tinha confiança o suficiente para deixá-lo ondulado, até fazê-la dormir, enquanto observava suas estantes, repletas de personagens e histórias da Marvel, ela amava a Marvel, e eu também. Então ela dormiu, decidi deixá-la ali e ir embora, quando estava perto da porta, reparei a mãe dela, em um canto escuro.
- Ei, o que aconteceu com sua filha? Estou preocupado.
Pacientemente ela me explicou tudo.
- A anos, Amanda sofre de crises de pânico e de ansiedade crônica. Ela se debate, se machuca, se culpa por tudo, a um tempo tinha parado, mas eu não sei o que aconteceu para ter voltado. Amamos nossa filha e ficamos arrasados quando isso acontece, só queremos o bem dela.
Quando eu saí daquela casa, o peso da culpa caiu totalmente sobre mim, esmagando-me. Ela voltou a ter suas crises depois que transamos, a culpa é toda minha.
Cheguei em casa e ela tinha acordado e respondido minhas mensagens, então, quase viramos a noite conversando. Depois de horas tentando convencê-la de voltar a ir na aula, consegui.
Quinta e sexta-feira passamos a tarde juntos, totalmente felizes, acho que eu estava começando a sentir algo diferente por ela, mas não queria admitir pra mim mesmo.
Sábado chegou, era meu aniversário, meus pais já tinham deixado uma boa grana comigo para fazer a festa e foram viajar, estava todo mundo convidado, ia ser uma festa que seria falada por muito tempo.
Na hora da festa, os convidados foram chegando, e consecutivamente, Amanda também chegara.
- Parabéns, Lucas.- Ergueu sua mão com um presente embrulhado. Era uma blusa do ultimo filme dos Vingadores, eu não poderia estar mais grato do que já estava por aquele presente.
A festa foi passando e eu não dei bola pra Amanda momento algum, estava me divertindo com meus amigos, e aparentemente ela compreendia, não conhecia ninguém, só uma amiga que ficara conversando com a mesma a festa toda.
Todos já estavam bebados, felizes, então, repentinamente uma menina veio em minha direção uma menina, linda, um pouco menor que eu, cabelo longo e sorridente.
- Vamos ali na cozinha pegar uma bebida comigo?
Aceitei sabendo que não era a bebida que ela realmente queria pegar.
Começamos a nos beijar, fiquei entretido e cheio de vontade, mas quando olho pro lado, percebo que a Amanda estava nos encarando. Quando fui tentar conversar, Amanda saiu chorando e correndo da minha casa, resolvi deixar pra lá e continuar agarrando a outra menina, como se a Amanda não existisse, e nem meus sentimentos por ela, eu estava bebado, não sabia o que estava fazendo.
Acordo no outro dia, varios amigos meus jogados no chão, me deparo com aquela situação e começo a rir, passo por cima dele e vou em direção meu celular para ver as mensagens, vejo que tem uma da Amanda, avisando que estava chegando na festa na noite passada, logo lembrei do que aconteceu, mas resolvi ignorar, pensei em não correr atrás, já que eu era acostumado a não me importar com ninguém.
Chega segunda-feira em sala de aula, nada de Amanda, estranhei bastante mas resolvir deixar de lado, mas cada minuto que passava, varios pensamentos sobre a Amanda vieram a tona, eu não queria aceitar que gostava dela, era minha mente contra o meu coração.
Terça-feira, se inicia a aula e a Amanda não comparece novamente e eu começo a ficar preocupado, então deixo meu orgulho pra trás, e assim que acabara a aula, fui atrás dela.
Cheguei em sua casa, bati algumas vezes, não obtive nenhuma resposta, até que pela insistência, um vizinho, de idade, meio baixinho e careca, saiu da casa ao lado e me respondeu:
- Garoto, não tem ninguém nessa casa no momento, todos estão no hospital.
- Hospital? Por que? O que aconteceu? Eles estão bem?- Perguntei apavorado.
- Não sei dizer, só ouvi boatos, dizem que a filha passou por umas situações nada agradáveis.
Não pensei duas vezes antes de pegar minha bicicleta e sair na maior velocidade para o hospital mais próximo, que era onde eles estavam.
Cheguei lá, perguntei o básico, onde era o quarto de uma tal Amanda, depois de algumas outras perguntas, me informaram e eu fui as pressas para o quarto, cheguei lá, os pais dela estavam de joelho perto da cama, chorando, quando me viram na porta, o pai me encarou com uma cara fechada, parece que queria me matar.
- Seu moleque!- e veio na minha direção, com muita raiva.
Logo, o médico segurou-o e a esposa o acalmou, depois, o médico me tirou da sala e veio conversar comigo.
- Você é o Lucas, né?!
- Como sabe?
- Seu nome foi muito falado aqui.
- Por que?
- Os pais da Amanda te culpam pela situação dela.
- Mas o que aconteceu com ela?
- Foi neste sábado passado, de madrugada, ela ligou para o pai, chorando, pedindo para buscá-la no meio da rua pois tinha fugido de sua casa, e o pai foi buscá-la, mas quando ele chegou, Amanda não estava lá, ele ficou preocupado, tentou ligar para ela varias vezes e ela não dava resposta nenhuma, algumas horas depois, ela retornou a ligação, pedindo socorro para o pai, ainda chorando, mas agora pior, ela estava sem forças, e após dizer onde estava, desligou a ligação. Quando ele chegou no lugar, ela estava desmaiada, chegando mais perto, ele percebeu que ela estava muito machucada, cheia de cortes e hematomas, ele a pegou e já trouxe pra cá, no outro dia, descobrimos que além disso tudo, ela também sofreu abuso sexual, sofreu de estupro coletivo violentamente e teve seu útero dilacerado.- Explicou o médico.
Eu fiquei desesperado, entrei em
choque, não aguentei segurar o choro e fui para o quarto dela, quando a encontrei, ela estava acabada, meu mundo desabou ali. Eu estava tão arrependido, só queria ter uma chance para pedir desculpa pra ela, mas não sei se teria chance para isso, ela corria sérios riscos de vida e a culpa era toda minha.
Nessa noite eu decidi que ia dormir lá, era o mínimo que eu podia fazer por ela, após estragar toda a vida dela.
Três horas depois, as 5 da manhã, eu acordo, com todos os aparelhos apitando, e como sou leigo, não entendi nada, logo chegaram varios médicos e me tiraram dali a força, tentei ficar, consegui afastar alguns médicos pois era maior e mais forte que eles, mas não adiantou, me tiraram e trancaram a porta. Eu estava angustiado esperando respostas, mas acabou que tempos depois, a resposta veio.
- A Amanda não conseguiu sobreviver, ela sofreu um golpe vindo de uma arma branca na barriga, teve um corte no pescoço, não foi muito profundo, mas é um local onde existem muitas artérias de grande calibre, nenhum desses ataques foram letais, mas como ela estava inteiramente machucado, o corpo, junto com todos os tratamentos e medicamentos usados, não conseguiu suprir tudo que a Amanda precisava, e infelizmente, ela veio a óbito. Meus pêsames. - Disse o médico responsável do acompanhamento da Amanda.
Eu não estava acreditando, eu não queria acreditar! Aquilo tudo foi culpa minha.
- Meu orgulho matou a menina que eu amava. Se eu tivesse pensado nela antes de agir, tudo teria sido diferente, ela estaria viva, estaria me amando e estaria feliz, mesmo com todos os problemas que acarretava, ela tentava ser feliz, era doce, simpática, um amor, ela não merecia isso!!
Eu me acabei e me acabo em lágrimas e em arrependimento até os dias de hoje, onde não consigo mais viver minha vida normalmente, e não consigo se quer passar um dia brigado com alguém de importância pra mim. Ela se foi, por culpa minha, e tudo que me restou foram nossas folhas de rascunho, usadas para nossos trabalhos, onde ríamos juntos e nos divertíamos, e aquele bendito óculos, que foi o começo e o fim da nossa história.
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A garota do óculos.
Short StoryApenas uma história clichê mostrando como o orgulho pode separar duas pessoas da pior forma.