1981. Chicago. Bar Rockwall Inn.
ㅡ Ji.
A voz provocante soou baixinha, mas ainda conseguia ouvi-la. O indicador dele fazia círculos invisíveis e preguiçosos na gananciosa pilha de fichas logo à sua frente. Vez ou outra as derrubava, para poder reorganizá-las. A língua umedecia os lábios toda vez que o fazia.
Ele sabia o que estava prestes a fazer. Era hábil com os olhos, e isso era uma vantagem e tanto. Uma qualidade muito útil, e ele agradecia por isso. Sua outra mão ajeitava os fios que insistiam em atrapalhar sua visão. Mas Ji não reclamava. Ele até achava atraente.
ㅡ Sabe as suas opções...
A sobrancelha esquerda curvando-se, em um claro ato de empáfia. Mas era verdade. Sim, Jimin sabia.
ㅡ Pague, aumente, desista... ㅡ soava zombeteiro, confiante. Sorriu. Era seu charme particular, sorrir e prender levemente o lábio inferior entre os dentes.
Jimin cerrou os olhos na direção dele, apertando os punhos. Sentindo as unhas entrarem em contato com a pele. Seus olhos focaram na pequena pilha de fichas pretas. Puxou as suas duas cartas para perto de si. Dois reis nas mãos, mais um rei solitário no bordo. Trinca, pensou. E uma trinca valiosa. Mas de que valia, se não tinha a mínima ideia do que o oponente poderia ter?
O olhar rigoroso do rival não facilitava o seu raciocínio. Não, não era apenas a música ou as luzes, era ele.
Park tinha um segundo plano, para alívio dele mesmo. Curvou o canto dos lábios em um sorriso provocativo, observando os olhos curiosos do oponente tentando desvendá-lo. Esses olhos não serão úteis agora, confiou a si mesmo. Depositou as cartas na mesa, ainda com valor oculto.
Se tudo desse certo, ele desistiria.
ㅡ Aumento, Guk ㅡ o ênfase na última palavra fez o rival engolir em seco, levemente afetado. O que infelizmente passara despercebido.
Jeon soltou um risinho arrastado, desses que faziam o interior de Jimin borbulhar.
Capturou uma ficha preta entre o indicador e o polegar, e a girou, passando-a por entre os outros dedos e tornando a voltá-la do mesmo modo. Ainda provocando, Jimin deduzira.Oh, sim, era um homem racional e que sempre optava pelo modo seguro, não importa o que façam. Mas, então, por quê o tão controlado Park Jimin estava sendo ilógico naquele momento?
A verdade era que o Ji adorava quando ele dificultava as coisas. Jogou oito daqueles pedaços de plástico desajeitadamente pela mesa, e observou o Jeongguk pensar um pouco. O olhou nos olhos, as pupilas estáticas, o suor descendo pelo pescoço, resultado óbvio de tamanha concentração. Focado em qualquer coisa que esboçasse um blefe. Não vai achar nada, Jimin pensou.
Por fim, Guk cedeu ao aumento, para a confusão de Jimin. Ao menos não aumentou de novo. Mais um pouquinho de apostas e seu cacife estaria vazio, o que seria satisfatório para o seu rival de mesa. Ele odiaria dar a ele esse gostinho.
E, curioso, Ji notou que o sorriso não abandonou os finos lábios de Jeongguk. Observou o mesmo levando o cosmopolitan à boca e bebendo um gole, enquanto ajeitava novamente os cabelos rebeldes. O dealer* juntou tudo num canto, ligeiramente ao centro da mesa, e abriu a última carta do bordo.
Ás.
A expressão de Jeongguk naquele momento era indecifrável. Tinha inúmeras interpretações, mas Ji não arriscou nenhuma delas. O notável era que ele não sorria mais. Respiração irregular. Interessante, o Park anotou mentalmente, o olhando cada vez mais minuciosamente.
Mas sabe o que ouvira certa vez? Sempre há algo a mais que não notamos. Bem, no caso de Park, que ocupava a pequena casadela, era mais que provável que deixaria algo passar batido. Pois Jimin, apesar de achar que nunca admitiria, aquele olhar intenso para o melhor amigo, na verdade, não era apenas para encontrar possíveis blefes.
Guk respirou fundo. Bateu duas vezes na mesa. Jimin imitou-o, vendo o oponente levar outro gole da bebida à boca, com uma estranha satisfação ao assisti-lo. O dealer aguardou que Jimin mostrasse as cartas.
Jimin puxou-as, deu uma última espiada no bordo, sorriu sutilmente e jogou seu par de reis na mesa, à mostra.
ㅡ Trinca.
Jeongguk arregalou os olhos. As unhas fincando-se nas bordas da enorme mesa. E era como se Jimin tivesse tirado um 21. Como se percebesse que o Oásis no deserto era real, e não mera imaginação causada por forte efeito da luz solar e desidratação constante.
Jeongguk mordeu os lábios, pensando por um instante... e por fim revelando suas cartas.
Relaxou. Soltou todo aquele ar preso nos pulmões para fora. Jimin estremeceu, travando por um segundo. O sorrisinho insistente reapareceu no rosto do Guk, que acariciava o queixo enquanto observava o amigo piscar, fitando as cartas com descrença.
ㅡ Que foi, Ji?
A música por pouco não abafa sua voz por inteiro.
O fato era que o seu adversário tinha um par de Ás nas mãos. Com mais um Ás no bordo, ele tinha uma trinca. Só que mais forte que uma trinca de reis. É, ele deixou algo passar.
ㅡ Estava blefando ㅡ Jimin disse, a voz meio trêmula.
ㅡ Eu? ㅡ Guk sorriu. Com os dentes. Fez as bochechas de Jimin arderem. E o ardor passou para as orelhas. ㅡ Sim, Ji. Parece que eu ganhei blefando.
O dealer e big blind arrastou todas as fichas do centro da mesa para o seu próprio lado.
ㅡ Se isso fosse um cassino, você teria visitas de homens de preto ㅡ brincou. Jimin negou com a cabeça, mas acabou por rir.
Por um momento, as sobrancelhas de Jeongguk franziram. Ele olhou o relógio, parecendo muito preocupado com isso. Não era sua culpa pensar naquilo, mas Jeon parecia um homem de preto. Ele usava preto. Se Ji não o conhecesse, diria que ele realmente era um.
Dívidas com esse homem de preto não seriam ruins, Jimin pensou. Riu de si mesmo.
ㅡ Rindo? ㅡ Jeongguk indagou, ainda que não esperasse uma resposta. Olhou ao redor discretamente, voltando a encarar o melhor amigo.
Jimin ergueu uma sobrancelha.
ㅡ Estou. Problema? ㅡ atirou uma ficha azul no montante do dealer, rindo ao vê-lo desabar.
ㅡ Nenhum. Mas você lembra do acordo, certo? ㅡ sorriu pequeno. Os olhos brilhando, esperançosos.
Sim, Jimin lembrava-se claramente. A proposta de Yoongi e Hoseok. Na verdade, o ruivo ansiava pelo momento em que Guk tocaria no assunto, pois secretamente gostava das condições, afinal. Acenou afirmativamente com a cabeça, por fim.
Jeon coçou a sobrancelha, evitando por alguns segundos contato visual com o Park.
ㅡ É que os hyungs me ligaram... e mudaram umas coisinhas na proposta. Vão levar mais uns amigos.
Ji notou que o amigo estava mais encolhido, sem nenhum motivo aparente.
Guk continuou.
ㅡ E então...?
Um dedo percorria a extensão da taça, onde antes estava um cosmo. A outra mão acariciava a nuca, para extravasar a tensão.
ㅡ Eles também mudaram o lugar, hyung... Nova Iorque.
-
*o responsável por distribuir as cartas no pôquer. é também o último a jogar.
alguem pegou a referencia no nome do bar? :D
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o coração normal ; jikook [hiatus]
FanfictionO verão novaiorquino de 1981, em sua mais radiante forma, seria memorável. Ora, tinha tudo para que não fosse esvair-se em uma daquelas memórias bobas, onde quase todos os detalhes e a emoção se perdem. Onde um ou dois fatos engraçados realmente se...