máquina: faculdade

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mora na casa de trás, fuma cigarro escondida pela janela, da cozinha ele consegue vê-la, sempre a observa de forma furtiva, detém seu conhecimento acerca do perigo, apaixonar-se assim é uma forma perigosa, mas mesmo assim o fez, cabelos longos, cabelos ruivos, sardas e olhos esverdeados.

quem era aquela garota.

numa das noites enquanto a observava, acabou derrubando sua xícara preferida, fez um barulhao e chamou a atenção dela, ele sem graça mostrou um sorriso e fechou a janela, coração palpitando jogado no chão e sensações desesperadoras de ansiedade, não era assim que ele queria que ela a notasse.

no outro dia, ela apareceu de novo só que dessa vez de cabelo curto e platinado, a janela aberta e ele a olhar, ela apagou o cigarro e gritou eu sei que você está aí, fechou a janela de novo.

tentou parar de fazer isso, não abria mais a janela, estava se perdendo nos estudos e as provas da faculdade eram barra pesada, ele não queria pegar dp, então fechou a janela por uma semana,

tentações e tentações,

ouvia pessoas gemendo e acreditava ser ela,

destruições autodidatas e conhecimentos anti-proibidos,

não podia ser ela, então abriu a janela.

ela estava lá, fumando seu cigarro, olhou pra ele, dessa vez ele não fechou, "meus pais gemem demais" ela falou, agora fez sentido os sons que ouvia,

por que você sempre me olha?

não sei, seu cabelo é bonito.

tenho certeza que não é por isso, como você se chama? 

sou máquina e você?

sou humana.

prazer, humana.

seus pais não sabe que você fuma?

não, seus pais não sabe que você é stalker?

ansiedade. moro sozinho.

queria eu morar sozinha, aqui é uma merda, eles só sabem reclamar, trabalhar e transar, espero que estejam usando camisinha.

entendi.

tenho que entrar, até depois, máquina.


...


filha da puta, ele pensou.


morreu aquela noite e no outro dia reviveu, teorias italianas, deturpações freudianas. eu sou uma máquina. não sou?

deixou a janela aberta agora.

que perigoso. 

viver é perigoso. 

amar é perigoso. 


conversas noturnas, sem telas a atrapalhar, olhos nos olhos e ouvidos a cantar.

uma noite ela gritou máquina, ele foi olhar e ela estava pulando o muro,

o que está acontecendo.

não quero ficar aqui, tô morrendo por dentro, minha mente me mata um dia.

ajudou ela a descer, preparou um chá e deu pra ela beber.

obrigada, não sabia com quem contar, Orfeu me mandou avisar que as pessoas são idiotas.

obrigado pelo elogio! por isso eu sou uma máquina.

sorriso de matar.

máquina também fumava, seus circuitos não atrapalhavam.

posso dormir aqui?

sua mãe não te mataria?

ela me quer morta hoje.

vou encher o colchão, então.

você é um amor, máquina.

você não é de se negar, humana. - embora quisesse falar outra coisa - 

amanhã eu acordo as 7h, humana, se prepare mentalmente.

então você vai ter que me acordar, máquina.

dormiram, acordou, não teve coragem de tocar na humana, deixou ela continuar sonhando. ela acordou 2h depois. não esperava tanta confiança assim. tomou café que o máquina deixou preparado, a janela estava aberta então ela poderia pular, mas não fez isso, ficou bisbilhotando pelo coração do máquina, livros e livros, filmes e filmes, até um lp do joy division, fotografias e desnortes, passou o dia inteiro lendo e assistindo os filmes preferidos dele, foi tomar banho.

máquina chegou, chuveiro ligado, à bout de souffle na televisão, será que ela ainda tá aqui. bem, não bagunçou nada. tirou o tênis, foi para o quarto, sentou em sua cadeira e fumou um cigarro, a porta do banheiro se abriu e ele disse as toalhas ficam no armário em baixo da pia, ela disse obrigada

e saiu molhada, ele engasgou com a fumaça e ficou 5s olhando para aquele corpo, até que fechou os olhos e tampou com as mãos, se aproximou dele, coração palpitando, segurou as mãos dele e afastou da cara, moveu elas até seu quadril,

ansiedade batendo a mil,

ele abriu os olhos lentamente e aqueles olhos verdes penetraram em sua alma.

é isso que dá, deixar a janela do seu coração aberta, faz as pessoas se apaixonarem, máquina.

beijos e beijos.
corpo molhado e roupa seca.
quente do chuveiro e frio do inverno.

não existia um ser vivo naquela casa-coração que se atrevia a ficar de roupa.
não existia um ser vivo naquela casa-coração que se atrevia a não gemer.
não existia um ser vivo naquela casa-coração que se atrevia a não gozar.
não existia um ser vivo naquela casa-coração que se atrevia a dizer que não amava... 


e a janela voltou a se fechar, mas com a humana dentro.

máquina: faculdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora