Alma Transcendente, Almas Esvaídas

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'Paah-!'

O som da caneca batendo na mesa depois de ser subitamente solta pela mão que a segurava, pareceu ecoar infinitamente no recinto diante daquele silêncio sepulcral.

Dois pares de olhos muito parecidos se encaravam, um não poderia ser melhor descrito do que abobalhado e outro quase fulminante. Este último foi o primeiro a desviar o olhar, insatisfeito com a falta de reação de sua adversária, de volta para aquelas palavras familiares escritas em idioma supostamente desconhecido. Supostamente porque de fato não as conhecia, mas de alguma forma as entendia.

***

A Pagoda do Luar Violeta de Oito Andares.

Ela tinha sido abandonada na floresta ainda recém nascida, incapaz de fazer nada além de depender da própria sorte para que quem a deixara mudasse de ideia e viesse buscá-la ou para que a morte fosse rápida e indolor. Nenhuma das duas opções se realizou, mas ela sobreviveu para mais tarde entender que sua existência era excelente demais para depender de incertezas como sorte.

Também abandonado, um animal mágico selou um contrato espiritual com ela com a luz violeta do luar como única testemunha e por isso, ele a nomeou Yue, lua. Apesar de ainda no estágio de infância, o dragão Wang Jin conseguiu prover proteção à menina por um longo tempo até que outro humano se aventurasse na floresta e os levasse dali para Palacete Móvel, sede da Comunidade dos Praticantes Nômades.

Ali logo encontrou seu primeiro mestre, desenvolveu seus meridianos espirituais e completou suas primeiras missões ao lado de seu dragão. E foi ali também que recebeu seu sobrenome, logo não haveria ninguém que não tivesse ouvido falar de Ga Yue.

Artefatos místicos, feras espirituais, homens e mulheres aos seus (indiferentes) pés, fortunas e poderes em constante ascensão, esses eram os tópicos frequentes coligados ao seu nome. Nenhum desafio era grande demais, nenhuma arma era tão forte que não pudesse ser superada, Ga Yue era uma flecha em movimento com alvo fixo: o topo da Pagoda do Luar Violeta de Oito Andares, cujos andares eram portais diretos para dimensões cada vez mais exuberantes em energias elementais. Isso significava novos oponentes, novos tesouros, mais poder em suas mãos.

Tendo a própria alma ligada à de Wang Jin, o grande dragão dourado, ainda que ele estivesse em recuperação de seus poderes ancestrais ilimitados, Ga Yue não tinha porque temer qualquer perigo. E ao se ver prestes a sucumbir nas mãos de um inimigo mais forte no Sexto Andar, pôde finalmente colocar aquela vantagem à prova: diante do risco de ter seu corpo destruído, redirecionou a maior porção do ataque para Wang Jin. Antes que o corpo dele, em sua forma humana, pudesse cair no chão, Ga Yue já tinha bradado sua espada e decapitado seu adversário.

Mas o que deveria ter sido uma vitória gloriosa se tornou o momento mais surreal de sua vida.

Num instante sorria com malícia assassina em seu ataque, pelo canto do olho podia notar os cabelos longos de Wang Jin enquanto ele caía de costas, sangue formando um arco no ar junto aos fios negros. Piscou os olhos e naquele milésimo de segundo seguinte não estava mais no Sexto Saguão e uma mulher gorda a encarava parecendo muito aliviada.

Os arredores não eram os mesmos, as pessoas não eram as mesmas e tinham muitas características diferentes umas das outras, fazendo sua mente acostumada com uma etnia tão homogênea gritar em confusão. Não podia falar, só produzir sons inteligíveis aos ouvintes, não conseguia sentir energia circular em seu corpo ou nos dos demais. E certamente não podia mais escutar o rítmico som do coração de Wang Jin batendo em sincronia com o seu, só esse fato já era garantia de que estava em um outro mundo, não apenas em outra dimensão.

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