Ah, as luzes da cidade não são mais tão belas sem ela, embora eu possa até dizer que agora eu consigo notá-las, pois ela era de uma beleza que ofuscava tudo ao seu redor.
É triste pensar que eu nunca mais vou ver aquela expressão de interesse em seu rosto ao se deixar levar pela história de um livro, o jeito como ela corava quando era elogiada, ou a sua expressão de surpresa, ah, a surpresa no olhar dela, isso eu com certeza não vou esquecer enquanto eu viver.
Mas eu confesso que uma coisa sobre ela me tirava do sério, seus admiradores. A cada olhar uma parte de mim entrava em alerta, como um animal selvagem, ou algo do tipo. Como puderam? Como poderiam eles ter o privilégio de vislumbrar a minha personificação da perfeição? Mas agora já não importa mais.
Ela é minha, afinal.
Eu tinha planos para nós. O que ela nunca deixava de citar era a minha habilidade em fazer planos, tantos planos que era difícil decidir o que fazer. Mas no final, eu tomei a decisão certa. Ainda me lembro do dia em que dei a chave do meu apartamento a ela. Ah, a felicidade.
Aquele seria o nosso santuário enquanto nós vivêssemos e, pensando bem, ainda será.
Parece que algo falta na minha vida agora que ela se foi, aquele sentimento quente de ternura foi substituído por um vazio tão frio quanto a própria morte. É um pouco triste pensar na forma como a beleza foi arrancada dela, na brutalidade do ato que lhe arrancou à força deste mundo. “Por quê?” Foram as últimas palavras que ouvi daqueles lindos lábios, o que me parece estranho já que eu sempre achei que ela entendesse o significado de “para sempre”. O que me lembra que eu ainda tenho que decidir o que fazer com o corpo dela...
