1 (capítulo único)

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Continue andando. Os corpos estão andando. Continue andando.

Não importava o quanto Helen quisesse, não conseguia continuar andando com eles. Voltou resmungando para casa, abrindo o celular para ver o Instagram. Lá estavam eles, polidos e brilhantes em sua eterna caminhada, postando fotos esbanjando suas peles perfeitas e seus corpos de fazer inveja.

Ela já os odiou no passado, mas tudo mudou quando seu namorado acabou se juntando a eles. Agora ele está na rua, animado com a ideia de postar foto sem camisa.

Eles nunca mais conversaram desde então, e Helen ficou se perguntando por um bom tempo o que havia mudado. Concluiu que o melhor a se fazer seria tentar se juntar a eles para conseguir uma resposta.

Desde o sumiço de seu amado, ela começou a malhar e emagrecer o máximo possível, esforçando-se para entender o motivo daquilo. Já estava magra, mas parecia não estar magra o bastante. Havia se embelezado, mas não parecia estar bela o bastante. Os corpos deles eram tão perfeitos, tão polidos... Como ela seria uma semelhante se era tão diferente?

Curtiu uma foto dele, esperando que ele se lembrasse do que eles já tiveram.

Apenas continue, um dia seu corpo será perfeito o bastante para eles, pensou, voltando aos exercícios

Eles tinham corpos tão bonitos, mas o que aconteceu com as almas? Eles tinham peles tão polidas, mas porque seus atos machucavam tanto? Eles tinham lábios tão perfeitos, mas porque suas vozes soavam tão rígidas e machucavam tanto?

Os corpos eram tão bonitos, então como ela chegaria perto deles, como entraria para a eterna caminhada se não era magra o bastante?

Começou a chorar enquanto malhava, vendo sua barriga cada vez menor, mas ao mesmo tempo maior e mais repulsiva. Como mudaria por ele?

Helen era o tipo de pessoa que estava disposta a mudar por ele. Mudar absolutamente tudo nela para ele se sentisse pelo menos satisfeito com o que via. Seu corpo podia aguentar, e ela podia sim se tornar como as mulheres com quem ele vivia postando fotos.

(...)

Continue andando, Helen, continue andando.

Seus pés começaram a doer, e ela começou a chorar. Conseguia enxergar seu namorado ao longe, mas ele não ouvia seus gritos. Estava muito ocupado exibindo seu corpo sarado pela câmera do celular para perceber.

Por que ela não conseguia mudar o bastante? Não o amava? Não o queria mais que tudo? Então por que diabos não conseguia perder cinco quilos por ele?

Ele postou uma foto nova. Com uma garota linda e polida. Helen começou a soluçar ao ver aquilo. Mandou mais uma mensagem, mas sabia que ele nem sequer visualizaria.

Sentia seu corpo doer. Suas pernas doíam por conta do esforço repetitivo, mas ela não iria parar agora. Começou a se agachar, esforçando-se ao máximo para ser boa o bastante para ele.

Como eles conseguiam ter corpos tão perfeitos? Será que a caminhada era o preço para isso? Caminhar ininterruptamente deveria gerar algum resultado.

Apenas continue. Ele vai te querer se seu corpo for como o deles.

(...)

O dia estava chuvoso. Eles continuavam andando.

Helen entrou novamente na multidão, atenta aos corpos, procurando pelo amado.

Encontrou-o na frente da orda, seus olhos estavam vidrados na frente de tudo.

Começou a correr com todas as suas forças, empurrando algumas pessoas para conseguir chegar perto dele. Se conseguisse apenas tocar sua mão, sabia que ele reagiria. Disse que a amava tantas e tantas vezes; elas tinham que ser verdade.

- Kent! Kent! - Ele ainda estava andando.

Empurrou mais gente, escorregando por entre os corpos seminus. Vários caíram e permaneceram no chão, e Helen evitou ao máximo pensar no que aconteceria com eles.

- Kent! Kent!

As pessoas continuavam andando, seus corpos lindos tornavam aquela rua uma prisão.

- Kent! - Agarrou seus braços e tentou fazê-lo parar. Ele continuava andando, porém, os olhos vidrados.

- Kent, sou eu, Helen!

Ele se soltou e continuou andando, os olhos agora focados no celular.

Helen se recusava a deixá-lo.

- Kent! - Bateu a mão em seu celular, derrubando-o no chão. As pessoas continuaram andando, empurrando Kent para a frente. Ele parecia estar perdido.

Seus olhos, ainda vidrados, focaram-se em sua namorada. Sua mão se ergueu para empurrá-la com tamanha força que a mesma caiu no chão. Teve que se levantar às pressas para não ser esmagada. Correu para casa, chocada demais para chorar.

O que havia de errado com seu namorado? Ele estava tão estranho... Parecia apenas uma casca vazia.

Abriu o Instagram. Várias pessoas postaram fotos, mas ele não. Ele estava sem o celular, graças a Deus, e o mesmo quisesse, seu amado voltaria ao normal.

Não parou para malhar naquela noite. Precisava parar para pensar naquela caminhada eterna. Por mais que evitasse pensar, estava feliz com o fato de não estar ali.

Céus, se ela tivesse decidido que não queria se juntar àquilo um pouco antes...

Ouviu a chave rodar no tambor, e lá estava ele.

- Kent? O que você está fazendo aqui!?

Ele não disse nada. Apenas se aproximou dela lentamente.

- Saia daqui. Saia daqui agora!

Ele se aproximou lentamente de novo. Helen recuou em direção ao quarto.

- Último aviso. Vou ligar para a polícia.

Ele se aproximou mais uma vez. Helen pôs-se a correr e trancar a porta. Conseguia ouvir seu namorado batendo na porta com força. Helen se escondeu debaixo da cama, chorando baixinho.

Ouviu mais um clique antes da porta ser lançada para longe. Helen segurou sua respiração o máximo que pôde para não se entregar, mas sabia que era apenas uma questão de tempo.

- Hel... - Sua voz parecia estar tão diferente, seu timbre estava tão desregulado.

Seus dedos a puxaram para fora da cama com força, fazendo-a olhá-lo no fundo dos olhos.

- D-d-d-d-desculpe pelo ce-celular.

Ele não queria saber de desculpas. Rasgou suas roupas e tirou seus chinelos.

- Não! Kent, por favor, não faça isso.

Seus pedidos não mudavam nada. Seu namorado a puxava para longe do quarto, para longe da casa. Desceu as escadas do seu prédio segurando-a com uma mão, e segurando o celular com a outra, configurando alguma estranha.

- O que está fazendo?

Seus músculos cederam quando ele a colocou no chão e lhe entregou o celular. Quando seus olhos encontraram a tela alguma coisa mudou.

Kent colocou sua mão em sua cintura e tirou uma foto dos dois com seu celular novo. Logo depois a encorajou a começar a andar na multidão.

Se Helen realmente estivesse ali, gritaria e espernearia. Mas ela não estava mais ali. De alguma forma, havia sido sugada para aquela multidão. Não sentia seus pés doerem ou suas pernas cansarem. Não havia raiva, tristeza, nem nada para sentir.

A única emoção que ela sentia era quando as curtidas começavam a chegar.

As pessoas continuavam andando; desta vez, abraçando-a na multidão.

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