Capítulo único

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Acordei sem vontade de fazer nada. Fiquei sentado na cama abraçando os joelhos com o olhar perdido em alguma parte aleatória de meu quarto, talvez na escrivaninha, já que era oque estava em minha frente.

As lágrimas escorriam calmas por meu rosto, mas levavam sentimentos tão pesados. Lembranças de momentos bons e outros que eu mudaria. Para falar a verdade, tudo depois dos 5 anos eu mudaria.

Fiquei assim por um tempo. Minha cabeça estava vazia. Não pensava em nada, mas alguma coisa a deixava nublada. Seria a tristeza? A raiva? A dor? O arrependimento? A culpa? Acho que era tudo junto, mas para ser sincero, os dois últimos eram os que mais pesavam.

Meu coração se contorcia. Parecia que alguém o apertava, esmagava, comprimia ou simplesmente o despedaçava lentamente. Na real, eu preferia que ele parasse de bater de uma vez. Não via mais sentido em continuar existindo. A única coisa que me importava se foi, e o que mais me doía era que eu podia ter ajudado, mas meu orgulho e teimosia me fizeram incapaz de fazer alguma coisa. Ele já tinha ido antes mesmo de partir, porque inúmeras vezes eu o mandei embora. Mas nunca esperei que ele realmente se fosse.

Fui um idiota, mas acho que já deu pra perceber, né? Uma coisa que eu aprendi é que se você desprezar alguém, mais cedo ou mais tarde ela vai embora. Só não tinha que ser tão cedo. E não precisava ser tão definitivo.

Devia ter pensado em tudo isso antes. Não tem mais o que fazer. Agora só posso ficar me torturando com as lembranças - as quais praticamente todas eu não queria ter - e me remoer por tudo que eu deixei passar, tudo que eu podia ter feito... Mas não adianta sofrer agora. Nada vai mudar.

Hoje faz uma semana que Izuku Midoriya morreu. E com ele, morreu também minha alegria, meu sorriso, meu amor, e até a vontade de levantar da cama para gritar com alguém. Não via mais sentido em nada.

Quando paro de pensar já estou com a escova na boca. Nem percebi quando levantei. Desde que ele se foi tenho vivido em piloto automático, se é que isso é viver.

Despois de me trocar desço devagar para tomar café. Vou cambaleando pelos degraus da escada com a mão somente acariciando o corrimão. Foi por essa falta de segurar firme aquela porcaria de barra de ferro que eu escorreguei e caí pelos dois últimos degraus. Permaneci sentado do mesmo jeito que aterrissei. Sinto meus olhos marejarem e logo as lágrimas voltam a cair.

- Filho! – Minha mãe chega correndo com um pano de prato em uma mão e uma colher de pau na outra – O que aconteceu!?

Não olho para ela. Acho que nunca percebi como o chão de casa era bonito, e continuei sem perceber, porque apesar de estar olhando para ele, ele estava invisível para mim.

- Filho... – Me olha com um olhar triste, o tipo de olhar que eu queria parar de receber. Não queria que tivessem pena de mim. Eu fiz tudo errado mesmo – Eu queria dizer que te entendo... mas eu não entendo – Senta ao meu lado – Não sei o que você está passando, e vou te dar o tempo que você precisar... mas você tem que ser forte. Você sempre superou tudo tão bem... estou preocupada com você.

- Ele morreu, mãe – Falo triste e baixo – Eu... não vou conseguir ser forte – Começo a chorar – Ele nunca mais vai voltar! Eu não vou superar nunca! – Grito essa última parte e desabo. Segurar o choro se tornou impossível.

- Katsuki... – Diz levando minha cabeça até seu ombro acariciando meus cabelos – Vai ficar tudo bem – Beija minha testa.

Por mais que tentasse se manter firme, sabia que ela sofria por mim. Sabia que a deixava desesperada com minha angústia. E isso me afundava mais.

•••

A essa hora a aula já devia ter acabado, não que fizesse diferença, ninguém foi mesmo. Todas as atividades escolares para nossa classe tinham sido canceladas essa semana. Ninguém estava em condições de ir para lá. Entrar no ambiente que o esverdeado sempre animava, lembrar de seu sorriso largo, de seus murmúrios sem sentido, de seus discursos motivadores...

Lembrar de como ele punha a gente em primeiro lugar mesmo sendo ele que mais precisava de ajuda.

Lembrar de como ele morreu por minha culpa.

Morreu em meus braços. Morreu pois não fui capaz de seguir o plano. Morreu pois queria que os holofotes focassem em mim. Morreu, pois mesmo sabendo que só ele poderia dar conta, não admitia ser mais fraco que ele. Morreu, porque não deixou meu orgulho me matar.

Se pôs em minha frente. Se pôs em minha frente e morreu... Morreu em minha frente.

•••

No funeral, queria eu estar naquele caixão. O caixão egoísta que manteria Izuku só para si durante a eternidade. O caixão que o manteria sob a terra úmida, a terra privilegiada que nem se quer sabia como tinha sorte em guardar o corpo dele para sempre. Aquela terra que, a partir de agora, estava condenada a florescer e dar flores cada vez mais belas. Belas e fortes, assim como ele.

•••

Caminhava sem rumo. Já não sabia mais onde ficava minha casa. Já não sabia mais quem eu era. Não. Eu sabia. Eu era o responsável pela morte de Midorya. Era assim que me reconhecia agora.

As luzes do semáforo já não significavam nada, e a faixa de pedestre me dava tontura. Mas precisava atravessar. Então atravessei em qualquer lugar da avenida. Por sorte, foi no lugar certo. O lugar onde senti o impacto do para-choque de um caminhão contra meu corpo.

•••

Acordei no hospital. Não. Erro meu. Não acordei, apenas ouvia o barulho irritante da máquina que media meus batimentos.

Estar em coma é como ser refém de seu próprio corpo.

Em meio ao escuro, ouvia minha mãe chorar, ouvia a correria das enfermeiras ao meu redor, ouvia o diagnóstico do médico, e ouvia meu coração, que agora, mais do que nunca podia realmente parar de bater.

Ouvia também a voz de Izuku. Ouvia seus murmúrios. Ouvia seus discursos e Via. Via seu sorriso. Via o brilho de seu olhos. Via suas sardas e sentia. Sentia sua energia. Sentia sua alegria contagiante. Sentia sua presença.

Sentia Izuku mais vivo do que nunca.

O vi, então, se aproximar. Me encontrava sentado em um lugar todo preto e sem dimensões. Não existia separação entre o chão e o céu, entre esquerda e direita, entre cima e baixo, entre frente e trás. Só existia Izuku e eu. Eu sentado abraçando os joelhos e ele se aproximando sorrindo.

- Tem certeza, Kacchan? É isso mesmo que quer?- Dizia com as pernas levemente flexionadas e as mãos apoiadas nas coxas, parado em minha frente.

- Tenho – Dizia olhando triste para ele – Eu só quero você, Deku.

- Eu sempre amei você, Kacchan – Se ajoelha ficando na mesma altura que eu.

Com uma de suas mãos em meu rosto, sela nossos lábios em um beijo calmo e apaixonado.

Ao nos separarmos, paro de ouvir. Paro de ouvir minha mãe chorar, paro de ouvir a correria das enfermeiras, paro de ouvir o diagnóstico do médico, e paro de ouvir meu coração.

- Vem! – Diz Midoriya se levantando e me estendendo a mão com o sorriso largo de sempre – Agora somos só nos dois para sempre, Kacchan.

Pego sua mão e me levanto, parando de ouvir a máquina contar meus batimentos. Andamos em direção a uma luz que se expandia à medida que nos aproximávamos. Logo tudo era branco, novamente sem dimensão. Mas eu não precisava mais me localizar. Minha única referência agora era Izuko, e era a única coisa da qual eu precisava.

Ele era meu mundo.

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