A saudade contida em meu peito grita deixando os meus olhos inundados. Já cansada de tal tortura, caminho pela casa em busca de algo para aquietar o coração, mas paro involuntariamente e olho para a porta ao lado. Aquilo era a única barreira que me impedia de vê-lo. Me aproximo receosa e toco com delicadeza a maçaneta, antes de abrir, dou um longo suspiro. Fazia exatamente quatro dias desde que aquela porta fora fechada, quatro dias em que nossos momentos felizes e barulhentos foram substituídos por um silêncio cruel. É engraçado como uma briga pode acabar tomando proporções que não havíamos planejado e finalizar com tudo que construimos durante anos, dentro de alguns minutos.
Depois de muito pensar, finalmente abro. Observo as escadas logo abaixo dos meus pés e desço alguns degraus. Continuo a descer de vagar, ansiosa, teorizando o que você poderia me dizer, na melhor das hipóteses irá se desculpar por tudo e admitir que estava errado quando disse que não me amava mais, ou talvez irá sorrir e me abraçar forte demonstrando que ainda me ama e que suas palavras de quatro dias atrás foram apenas uma brincadeira de mal gosto. Após descer o último degrau, chego ao andar inferior da casa, acendo as luzes e consigo vê-lo. Você está sentado no sofá, no mesmo lugar que o deixei, como se tivesse esperado por mim por todo esse tempo. Sua blusa amarela também é a mesma da última vez mas agora possui alguns detalhes diferentes, grandes manchas avermelhadas estão espalhadas pelo tecido dando um toque de vida ao seu visual.
— Oi amor, sentiu minha falta? — pergunto enquanto me aproximo.
Não houve resposta. Considerando que seus olhos estavam fechados deduzi que estava em um sono profundo.
Quando finalmente chego perto, sinto um cheiro desagradável invadir minhas narinas mas aquilo não me importou, eu o amo tanto que conseguiria facilmente aguentar aquele pequeno incômodo.
— Me desculpe… — me sento ao seu lado e passo com delicadeza meus dedos em seu rosto frio e pálido. — Você sabe que sou um pouco impulsiva às vezes. — beijo seus lábios e consigo sentir o gosto podre da morte. — Não deveria ter dito coisas horríveis para mim. Tem noção do quanto doeu quando falou aqueles absurdos?
Irritada ao me lembrar de tudo, bato minha mão com força no assento do sofá, isso fez seu corpo se desequilibrar e cair desajeitado no meu colo. Comecei a sorrir. Aquilo era adorável.
— Eu sabia que iria dizer isso — afago seus cabelos— Tudo bem, eu já entendi, você me ama, mas sua brincadeira foi péssima. Como ficaremos juntos agora?
Ainda pensativa com a minha própria pergunta visualizo a faca que eu havia usado para penetrar sua pele alguns dias atrás caída ao chão.
— Eu vou me juntar a você meu amor. Nós vamos nos encontrar muito em breve. — sorrio e afasto seu corpo de mim.
Pego a faca.
— Passaremos a eternidade juntos.
Deslizo a lâmina pelo meu pulso deixando um corte fundo na vertical. Sangro de forma lenta e dolorosa. Sem forças para sustentar o corpo caio ao seu lado.
— Te vejo no paraíso. — digo antes de fechar meus olhos para sempre.
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Paraíso imperfeito
RomanceÉ engraçado como uma briga pode acabar tomando proporções que não havíamos planejado...