Inocência

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   Na capital portuguesa, habitava uma menina, que tinha por nome Margarida, rondava os 16 anos. Vivia numa ruela de Alfama, numa casinha tipicamente portuguesa, considerada por nós, nos dias de hoje, um local maravilhoso, mas apertado para se viver, sem falar do preço de mercado, claro.

   Margarida frequentava a escola secundária, era muito letrada e esforçada, foi preciso muito para os seus pais conseguirem pagar os seus estudos. A caminho da escola, num perfeito dia normal, tropeça numa pedra da calçada solta, e cai.

- Estás bem? - com um ar encantador, um rapaz de face pálida, rosto oval e cabelo estranhamente comprido, estendeu-lhe a mão.

   Atrapalhada com a situação embaraçosa em que se encontrava, levantou-se sozinha, rejeitando a mão generosa.

- Que atrevimento! - responde exaltada e envergonhada. Continuando o seu caminho.

   No dia seguinte, mais uma vez a caminho da escola, reencontra o tal rapaz. Embaraçada esconde-se por detrás dos livros que carregava nos seus braços frágeis. Trocam olhares. Acelera o passo, mas é surpreendida.

- Sou o José. – disse, aparecendo à sua frente.

- Eu não me lembro de ter perguntado nada, e se faz favor estou atrasada.

- Não quero empatar, pode ser que nos voltemos a encontrar.

   Margarida apressou-se, estava entusiasmada, mas ao mesmo tempo assustada. Lá do fundo ouviu gritar "Não me disseste o teu nome!", soltou um leve sorriso e continuou sem olhar para trás.

   As horas, os dias e até mesmo as semanas se foram passando. Margarida e José, foram-se encontrando, no começo por mero acaso, ou não, posteriormente já combinavam encontrarem-se em segredo.

   José vivia num sótão alugado, era um espaço pequeno e precário, pouco asseado e luminoso. No entanto era o local perfeito para ambos se encontrarem, fugindo às más línguas e controvérsias do regime. Viveram um amor intenso, uma paixão que Margarida apenas conhecia nos romances que lia, como em Amor de Perdição. Tão intenso que Margarida se entrega totalmente a José. 

   Passaram-se uns dias, o casal não se tem visto. A rapariga anda preocupada, não sabe nada do paradeiro de José há alguns dias. Com os dias vieram as semanas. José não aparecia, Margarida estava preocupada, a PVDE andava atrás de pessoas consideradas "ameaças" para o estado, pensou que talvez José com a sua mania de sonhador pudesse ter sido apanhado.

  Eram dez horas da noite, Margarida e os pais estavam na sala de estar, num momento familiar, quando batem à porta...

- Senhora Margarida Oliveira? - perguntou o polícia.

- Sou eu! - levantou-se.

   Arrastaram a pobre rapariga para a sede da PVDE, sem referirem o motivo. A sala de interrogatório era um local frio e sombrio. Margarida estava em pânico, sabia que ninguém, ou quase, saia dali facilmente.

- Conhece algum José Afonso Condensa?

- Não, senhor. - Assustada não sabia o que responder, provavelmente seria o seu Zé, mas nem ela própria sabia o seu nome completo.

- Repito! – bateu com a mão na mesa. – Conhece ou não conhece?

- Não tenho a certeza de ser o mesmo homem, senhor. – Falou com a voz trémula.

- O seu amante, para além de estar a fugir ao serviço militar obrigatório, ainda é opositor ao regime.

   Após uma longa conversa, assustadora e incriminadora, Margarida estava de rastos. Afinal não sabia nada sobre José, foi apenas uma marioneta nas suas mãos.

Amores DitatoriaisWhere stories live. Discover now