The last song ☄ capítulo único

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Eu poderia dizer que essa história se inicia em uma pacata cidade, onde o nada é nada e tudo é  tudo, um lugar simplório sem grandes especulações ou em um campo, onde dois jovens se encontram as escuras para viver seu romance proibido; poderia até mesmo divagar pelas ruas de Londres, na Inglaterra vitoriana, mas nossa história se inicia no conservatório de música em Seoul.

Eu estava completando meus 26 anos, apesar da pouca idade já dominava as mais belas formas de arte  - exceto a arte da culinária, confesso - que já foram apreciadas pelo homem. Meus pais desde cedo me apresentaram este mundo, repleto de magia e encantamento: aulas de teatro, dança, pintura e os mais diversos tipos de instrumentos preenchiam os meus dias. Fui apresentado a Bah, Beethoven, Picasso, Monet e Van Gogh; Li obras de Dostoiévski, Jane Austen, Shakespeare e Júlio Verne; Toquei flauta, violino e violoncelo, mas nada me chamara tanta atenção quanto o piano.

Fomos apresentados aos meus 7 anos de idade, um antigo piano marrom que residia esquecido na sala de minha casa, lembro de  uma vez, subir em seu banco com dificuldade e tocar aleatoriamente algumas de suas teclas de marfim fazendo um som grave ecoar por todo ambiente, ri sozinho por no mínimo 10 segundos e toquei o máximo de teclas que minha minúscula mão conseguiu alcançar, eu não era Alice, tampouco Lewis Carroll, mas naquele momento o pequeno Min Yoongi descobrira seu país das maravilhas.

Meu relacionamento com o piano se estendera à minha adolescência, onde a constante pressão para o vestibular e o completo descaso de meus progenitores transformam minha alma em um quadro abstrato, confuso, prestes a explodir, ansiedade e depressão cobriam a mente, vozes gritavam em minha cabeça, perturbando-me, guiando-me a morte, mas bastava que a melodia ora melancólica, ora  agressiva, inundasse a sala tudo desaparecia. Em minha vida adulta já não existiam vozes e o silêncio era mais perturbador, minha mente era um eco vazio, que era preenchido apenas pela harmonia divina, concedida a mim por 80 teclas de marfim.

Isso até ele chegar.

Foi na última noite de outono, quando as árvores já se encontravam despidas e um vento frio lambia meu corpo. Eu estava cansado, minha cabeça latejava e meu apartamento medíocre — mesmo que se encontrasse em Gangnam —, pobre de afeto, pobre de vida, não parecia o ambiente mais acolhedor no momento.

Entrei em um bar qualquer, o primeiro que vi pela frente, sentei-me frente ao balcão, pedi um whisky e bebi encarando o nada.

- Dia difícil? - o bartender puxou assunto

- dia comum - talvez eles coloquem algo na bebida, talvez seja apenas o álcool agindo ou o fato de que você provavelmente nunca mais verá aquela pessoa na sua vida, mas bartenders sempre parecem alguém que você pode revelar toda sua vida - e é aqui que mora o problema - completei sem ao menos saber porquê

- a melhor cura para a monotonia...- ele se interrompeu para guardar uma garrafa na prateleira - é sair da rotina - finalmente prestei atenção no homem que me atendia, seus lábios carnudos estavam um pouco empinados para a esquerda em um sorriso ladino, seus olhos  brilhantes como galáxias me encaravam, seu cabelo rosa como algodão doce estava falsamente despenteado formando um que topete revelava sua testa. Eu não costumo sentir atração por muitas pessoas, não sinto o famoso tesão com muita frequência, me apaixonar então, um fenómeno mais raro que o alinhamento planetário, mas admito, ele era o homem mais bonito que já cruzara meu caminho e eu poderia facilmente me deixar levar por sua voz macia.

- O que sugere?

Ele apenas se virou, misturou algumas bebidas, despejou em um copo e decorou com um pequeno guarda-chuva vermelho

- Sex on the beach - colocou a bebida em minha frente e sorriu, fazendo com que suas bochechas fartas transformassem seus olhos em linhas estreitas, fofo.

Meu caro leitor, vou lhe poupar dos detalhes que se seguiram após a bebida alaranjada como areia queimar meu esôfago, mas posso dizer que não parei por aí, minha noite se seguiu carregada por álcool, uma música alta e animada que não costumo ouvir, e a risada do homem que descobri se chamar Park Jimin, por Deus aquela risada havia entrado para meu pódio de sons preferidos, a forma que ele tapava a boca, se apoiava no balcão e abaixava quando ria demais, deixava - o semelhante a uma criança, era adorável e perdia apenas para o som do piano e de seus gemidos arrastados, que ecoavam pelo apartamento enquanto ele deslizava em meu corpo, sua carne farta indo e vindo em cavalgada, sim, eu acordei no pequeno apartamento de Park, enquanto ele dormia tranquilamente ao meu lado, o cabelo emaranhado como algodão doce, era uma obra de arte que certamente pertencia a algum museu.

Com Jimin ao meu lado tudo se tornava calmo, confortável, onde ele estivesse eu estava em casa, seu apartamento no subúrbio era meu lugar favorito no mundo, a comida que ele preparava era melhor do que de algum restaurante cinco estrelas, sua voz era meu som favorito, o rosa de seu cabelo era minha cor favorita, eu amava Park como se ele fosse minha vida e cheguei a pensar que era.

Quando meus pais se tornaram completamente ausentes em minhas vida - o que aconteceu por volta dos meus 12 anos - minha mãe justificou sua atitude com um simples, "tudo o que é bom dura pouco", por mais que eu odeie admitir, ela estava certa.

Tive o carinho dos meus pais por doze dos meus 34 anos de vida, tive o piano por 25 e Jimin por dois anos inteiros.

Até que não o tive mais.

Eu poderia dizer que essa história termina em um campo de batalha, onde Jimin tragicamente morre pelo país, poderia dizer que termina em uma maca de hospital com remédio sendo injetado em minha veia, para que minha vida tenha fim ou até mesmo com a partida dolorosa de Jimin sob a chuva ao som de alguma música melancólica, mas nossa história termina em meu apartamento vazio em Gangnam, onde contemplo minha insignificante existência, sem piano, sem afeto, sem Jimin.

                        

The Last songOnde histórias criam vida. Descubra agora