Vestígios de uma vida

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Esta é uma história muito delicada são vestígios de uma vida morna, sem graça, deliberadamente sem sal. Por onde começo a narrar? Vamos lá, ele era um rapaz tão aberto para a vida que a amava em sua completude. Tudo sorria. Tudo era primavera desabrochando na tarde ensolarada. Era vida correndo inocente pelo céu. Era brisa ligeiramente balançando os cabelos. Dentro de si havia uma coisa chamada: amor. Amor pela vida. Amor por ser gente. E este sentimento esguichava para fora por todos os lugares que passava, era sentimento vadio. Entregava a quem quisesse receber e também a quem era ignorante deste afeto. Doava-se perdidamente, era um rico entregando dinheiro aos pobres. Destruía a pobreza do mundo compartilhando o que é mais saboroso na vida: a paixão pelo viver. Tinha em si as adagas do mundo dentro de si, mas a exasperava compartilhando o que havia de bom dentro de ti. Era uma inocência inteligente que era gostosa sentir, era flor no campo sendo beijado pelo benjamin.Mas esse moço era sorrateiro, era um vigarista dos piores que poderia existir: ele não sabia amar. Quando amava sentia-lhe arrepiar a pele. Ele do qual não posso citar o nome para não constrangê-lo era incrivelmente bondoso para com os outros, mas do que adiantava se não sabia o que era amar? Fora amado tantas vezes por familiares, amigos e até desconhecidos. Embora dentro dele havia tanto amor para dar, porém ele só absorvia, como uma esponja absorve todo o detergente. Certa vez cansado dessa labuta do amar, foi buscar o ódio e o chamou para conversar. Era risada para cá e risada para lá, foi um momento encantador esse que estou prestes a lhe contar. O ódio era tão traiçoeiro quanto ele pudera imaginar, mas era simpático e o fazia gargalhar. O ódio nunca conheceu a gentileza e perto do rapaz havia o doar-se, algo que o ódio não sabia que existia. Esperto e astuto com que a cólera o observava ia lhe transmitindo pitadas de fúrias dos quais o rapaz vazio enchia-se e transbordava daquele frenesi. Mas na mais cândida prosa o rapaz exasperou-se e brigou com ódio desfez-se das amarras que estava sendo lhe imposto e mandou-lhe procurar o que fazer, pois o jovem queria achar alguém para amar. Como era bobo, sem saber que a ira e o embeleco andam de mãos dadas. Cada qual com a sua tempestuosidade resolveu dar um abraço naquilo que estava lhe atormentado e saiu para caminhar e apanhar de noite alguma flor com nome de Camélia para namorar. A noite estava celestialmente estrelada e na praça em que caminhava havia flores mais belas que um homem pudera observar e uma dama a admirar.
Vetustas eram aquelas árvores do quais as folhas caíam com o leve roçar do vento. E o moçolito ria despretensiosamente em rumo aquele chafariz que espirrava água para todo o lago. Era sublime e encantador estar ali em plena paz e harmonia, era transcendental, era ímpar. Mas creio que esteja cansado, pois eu também estou, é a partir do momento em que Enzo Lins para abruptamente defronte ao chafariz que lhe surge vários fantasmas do passado dos quais eram melhor deixar guardado a sete chaves. Quem dirá que um dia um rapaz chamado Enzo Lins estaria cercado por o verde flamejante da primavera, mas com o frio do inverno dentro de si. Estaria ele verdejante ao ponto de torna-se um gafanhoto e reunir-se na plumagem daquilo que o cercava. Torna-se pequeno diante do que estava aos seus olhos. Havia crianças correndo para lá e para cá com o riso a bater-lhe na tristeza. Tinha também o rumorejar de casais enamorados e muito mais o que se espera de um parque em pleno crepúsculo de um domingo. Em certa horas o lugar estava prestes a ser socorrido pela morte, pois encontrava-se tanta felicidade que não seria capaz de existir tanta felicidade no mundo como estava existindo naquele átimo de minuto, em que cada cheiro entrava pelas narinas de Enzo Lins, o odor adocicado da pipoca doce e o vento verde que insistia em lhe percorrer todo o seu corpo. Perguntou-se: "Será que existirá a morte?" Nunca ousara e nem tinha sequer um toque de coragem em pensar na escuridão. O sangue suave quente dentro de suas veias e seu miocárdio corria a trezentos quilômetros por segundo. Quem haveria de ser capaz de tirar-lhe a paz e tranquilidade com que estava sentindo ao estar sentado no banco da praça. Um banco que tinha as iniciais grifados com algo cortante: P & E. O que significaria aquelas iniciais ali ou simplesmente letras frisada naquela madeira tão antiga. Será que era de um casal de amigos? Ou duas mulheres? Ou dois homens? Ou seria apenas a linguagem? Português e Espanhol? Era algo a ser realmente discutido por todos que estavam ali presentes, porém, não era cabível para Enzo Lins entregar assim de mão beijada um achado tão inédito e tão único. Por ventura estivera tão alegre que tivesse a necessidade de estardalhaços de risadas incontidas e as pessoas que passavam por perto se alegravam. Era verdadeiramente um sentimento vadio, era sorrateiramente a alegria em sua mais singular e pura linguagem. Ser feliz. Este sim queria o sabor - o sabor da vida - a delícia de sentir o que era ser feliz.

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⏰ Last updated: Aug 06, 2019 ⏰

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