vibin'

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O relógio em cima da mesa de Maria já marcava mais de duas da manhã, sendo a única coisa a iluminar minimamente o quarto com seu mostrador digital. O cômodo estava num breu, sem nem mesmo as luzinhas pisca-pisca na parede ligadas. Pela hora, é claro que tudo deveria estar desligado e a garota dormindo, mas Maria se encontrava encarando o teto. Já havia perdido a noção de quanto tempo estava ali, deitada imóvel, e sem conseguir pregar os olhos. Só se ouvia o som da respiração da menina e o ronronar baixo de seu gato aos pés da cama, como um ruído branco que a confortava e lembrava-a de que não estava sozinha ali. Pelo menos não ali, mas sentia-se sozinha dentro de si — como se alguma parte dela estivesse faltando. Só não sabia dizer se havia a perdido com o tempo ou se nunca nem chegara a encontrá-la, mas era um vazio que Maria não entendia nem sabia como preencher. Uma sensação constante de entorpecimento da qual ela não conseguia se livrar.

Tentava manter-se ocupada a todo instante para distrair a mente desse torpor, pois pelo menos desta maneira ela conseguia esquecer, por alguns momentos que fosse, a quietude dentro de si. Maria costumava ver filmes atrás de filmes, se entretendo com as histórias e narrativas que ela julgava mais atraentes do que sua própria vida. Era apaixonada pelas películas — e a indústria cinematográfica era uma das grandes culpadas pela influência dos anos 80 e 90 na vida da garota. Os filmes, as roupas, as músicas. Estes eram os três aspectos que resumiam facilmente a vida de Maria e sua paixão por tais décadas. Inúmeras vezes dissera para as amigas "acho que eu nasci na época errada" e, obviamente, isso não era um segredo pra ninguém. Maria, por inúmeras vezes também, parecia uma adolescente que viajara no tempo para o futuro direto de uma house party em 1990.

Cansada dos seus próprios pensamentos divagando e de olhar os padrões do teto do quarto, a garota se sentou na cama, encostando-se na cabeceira e puxando o notebook para o seu colo. Tamborilava os dedos no colchão enquanto esperava o aparelho ligar, pensando qual filme veria dessa vez. Acabou optando pelo primeiro que veio à mente e sempre a divertia, não importava quantas vezes assistisse — Clueless.

Enquanto digitava Netflix na barra de busca, a luzinha piscando ao lado da câmera do notebook chamou sua atenção. Sabia o que a luzinha indicava — sua câmera estava ligada. Não é preciso nem constatar que Maria, obviamente, não estava a usando naquele momento. Sua primeira reação foi remexer o mousepad (daquele jeito que todo mundo faz quando o computador trava como se fosse realmente resolver algo). Procurou o aplicativo da câmera dentre as coisas abertas no notebook — não era impossível que ela houvesse esquecido aberto, Maria quase nunca fechava os aplicativos mesmo. E lá estava ela, a Maria que aparecia na câmera a encarando de volta na tela do computador. "Meh." Resmungou, fazendo careta e se afundando mais em seu roupão de panda. Viu um relâmpago através das cortinas antes de ouví-lo, logo após sendo seguido pelo barulho de chuva caindo com força. Curitiba, afinal. As quatro estações do ano num dia só, assim como todos diziam.

Maria foi fechar a câmera para poder ver seu filme, agora bem mais calma do que antes pois o barulho de chuva era uma coisa a mais para confortá-la. E aí sim seu notebook travou. Clicou repetidamente no X, mas a única coisa que aparecia na tela era sua imagem congelada. "Puta que pariu." Clivava com mais força no mousepad, como se ameaçar o aparelho fosse o fazer funcionar mais rápido. Ouviu o barulho de um segundo trovão e a tela do notebook ficou colorida como se fosse uma televisão antiga. A garota viu aquele arco-íris começar a girar e achou que estava alucinando, talvez fosse a privação de sono. A tela parecia uma espécie de líquido, se desfazendo na sua frente, e ela só conseguia pensar naquela cena de Donnie Darko em que Jake Gyllenhaal conversa com Frank, o coelho, no espelho. Talvez Maria devesse ter saído correndo, mas a garota só conseguia ficar estática. Ou ela estava sonhando ou estava drogada e não tinha a menor ideia. Estendeu a mão para tocar na tela, pensando que, sei lá, talvez outro coelho viesse lhe confidenciar em quanto tempo o mundo acabaria. Assim que a ponta de seus dedos roçaram no aparelho, sentiu uma grande pancada na cabeça. Sua visão ficou escura e a menina inconsciente.

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