05/11/2010
Tinha uma pessoa que nunca reclamou do meu cigarro, quero dizer, reclamava bem pouco, um comentário aqui e outro ali, nada demais.
De repente, essa pessoa que era a mais próxima, como nenhuma outra, de repente ela não é mais próxima assim, ela se vai, se separa, se foi.
Depois do desquite passou a reclamar do meu cigarro.
Assim como todas as outras pessoas que me enchem o saco reclamando do meu ato de fumar como se o pulmão fossem deles, como se o dinheiro fossem deles, como se eu obrigasse alguém a permanecer perto de mim fumando junto, passivamente.
Aliás esse negócio de fumar passivamente é no mínimo chato. Tragamos gases humanos passivamente, tragamos gases animal passivamente, tragamos gases automotivos passivamente e eu não vejo ninguém reclamando. Nunca vi uma placa de "proibido peidar", eu sou fumante mas odeio sentir cheiro de peido, mas onde quer que eu vá avisto um aviso de "Proibido Fumar", me sinto acusado, acuado, sinto que o recado é dirigido a mim, como alguém apontando o dedo indicador para minha cara e dizendo em alto e bom som, na frente de todos "ei você aí, seu nome é Bento né?! Vou logo avisando que é PROIBIDO FUMAR!" me sinto coagido, ameaçado logo na chegada.
Eu vou colocar uma placa em minha casa, "Aqui se fuma à vontade" só de vingança.
Agora não se pode mais fumar em bares e balada, isso é deprimente. O direito de ir e vir me foi tirado, isso é antidemocracia. Quem não gosta de cigarros que fique em casa, ou aguente as consequências. Com isso as noites estão menos animadas, aquelas conversas de mesa de bar, com amendoins e cerveja não tem o mesmo sabor sem o cigarro. Era uma trindade sagrada, cerveja, porção, e cigarro. Essa trindade era a base de qualquer conversa, qualquer debate, as pessoas ficaram menos inteligentes com a proibição, os debates ficaram sem final, as teorias ficaram inacabadas e só o que temos são pensamentos fúteis, chatos e sem sentido. Pensamentos normais, óbvios, dignos de qualquer idiota. Pensamentos assim temos em qualquer lugar, até na igreja, o mundo ficou menos criativo.
A noite ficou mais dia, até a lua mais apagada. O fim de semana ficou mais sério, mais responsável.
Quando alguém me critica pelo fato de fumar eles não levam em consideração que o cigarro me acalma, o cigarro me faz refletir, o ato de fumar é essencial para minha alma, é fazer um balanço daquele instante, daquele dia, da minha vida. Fumar é suspirar com mais prazer.
É eu sou um viciado, mas atire a primeira pedra quem aí não tem vício algum. E não estou falando de drogas licitas ou ilícitas, quem nunca viciou em alguém, em alguma novela, em algum alimento, em alguma roupa? Eu me assumo viciado e isso já é um grande passo, veja você não-fumante agora, lendo isso e dizendo para si mesmo que não tem vício algum, tentando se enganar sem sucesso. Somos todos viciados.
Ninguém nunca parou para pensar que eu gosto de fumar? E que eu não quero para de fumar?
"Ah mas o cigarro faz mal a saúde!" Qual é o problema? A saúde é minha, o corpo é meu, e faço com ele o que bem entender. É de uma hipocrisia as pessoas falarem que o cigarro faz mal a saúde e bebe litros e litros de cerveja por dia.
Há pessoas que tem a síndrome de papagaio, repetem tudo que ouvem na televisão, mas já vi tantas pessoas me olhando torto pelo meu ato de fumar e jogando lixo pela janela do carro. Jogar lixo na via pública não faz mal a saúde? Vejo pessoas criticando o cheiro do meu cigarro, e nunca usou um filtro solar na vida, duvido que saibam que o sol da câncer de pele.
Vejo os maços de cigarros com os dizeres do Ministério da Saúde, e aquelas fotos que no máximo atiçam a criatividade dos fumantes e servem de piadas cheias de ironias na hora da bebedeira. Vejo baratas, ratos, bocas, abdomens, desmaios... a imagem mais famosa é a da cinza de cigarro pendendo para baixo sugerindo que cigarro causa impotência. Uma vez na padaria perto de casa fui comprar um cigarro e o caixa me deu um maço com essa foto, impossível não repetir a piada já gasta, mas muito engraçada "não quero o que dá impotência me vê o que dá câncer, por favor".
Vou sair para comprar mais cigarros.
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BENTOÓLICO - CRÔNICAS DE AMORES FINADOS
SachbücherReunião de crônicas postadas originalmente no blog Bentoólico. Todos os textos serão selecionados respeitando as datas das postagens originais. A primeira crônica é de Julho de 2010