— Como é que é, Saiko? Seu brinquedinho vai conseguir fazer o que nós, agentes especiais treinados, não conseguiríamos? — O tom ressentido de Mikyo deixava claro o quanto torcia contra os esforços do policial técnico-científico.
— É claro, embora o sinal de S.O.S esteja fraco e oscilante, a Yutopia de Turing já conseguiu isolar a última sinalização para um só quadrante no oceano — olhou para seu interlocutor com o canto dos olhos. — Ela está bem próxima agora.
— Olha só, a "coisa" tem até sobrenome? Se a bateria dela acabar no meio da operação, pelo menos não morrerá como indigente, se é que a Sra. Turing pode mesmo morrer. — Mikyo se divertia com a própria piada.
Uma voz mecânica soou das caixas de som conectadas ao telão em branco. Era Yutopia.
— A "coisa" também pode te ouvir, agente Mikyo. E não funciono à base de bateria como um relógio de parede. Eu me alimento do material radioativo presente no ar. Não se preocupe, não há riscos quanto à minha queda no mar.
— É, ótimo saber disso, lata velha. Assim não precisamos nos preocupar de estar poluindo mais o Atlântico.
O superintendente que estava sentado no fundo da sala ao lado do Shogun da província brasileira o censurou.
— Pare de discutir com o drone, Mikyo. Entendo sua frustração, mas a decisão fora tomada pensando em preservar a vida de seus homens também. Mostre-nos alguma gratidão, rapaz.
— Desculpe, senhor Hian. — O Agente especial puxou um cigarro de trás da cartilagem da orelha e se ausentou da sala de operações procurando uma área de fumantes para aplacar seu nervosismo.
— Mikyo! O que está acontecendo lá dentro? — Um de seus homens o interceptou ansioso por novas ordens.
— Estão fazendo uso de um drone, mas cá pra mim que logo precisarão de nós, portanto estejam prontos. — Acenou com o cigarro. — Onde posso me preparar também?
Seu subordinado sorriu indicando uma escadaria que levava até o topo do Forte o qual os hospedava. Mikyo sentou-se na murada do lado de uma canhoneira, e encarou a redoma que separava o mar contaminado da praia de Copacabana.
O Superintendente da inteligência japonesa conversava impaciente com o Chefe de Estado do Brasil.
— Como estava dizendo, Kosho, não espero encontrar os astronautas com vida. Ninguém sobrevive a uma queda dessas. Tóquio só quer ter certeza antes de avisar os familiares e de torná-los heróis nacionais.
— Heróis?
— Não desse jeito. O império ainda é bem rigoroso com os estrangeiros, não importa a patente, você mais do que ninguém sabe disso.
— Sei, sim. — O Shogun pigarreou. — Confesso que quando fui informado de sua chegada imaginei o pior; que Tóquio estava insatisfeita com meus serviços.
— Se quer me perguntar alguma coisa apenas pergunte.
Antônio Kosho se agitou em sua cadeira.
— O que estão dizendo sobre meu shogunato no império?
— Eles sabem que você é dedicado e está empenhado...
— Mas estão felizes? Expressaram insatisfação? Pretendem me destituir?
— Ei, precisa se acalmar agora, certo? — Hian pôs a mão sob a nuca do Chefe de Estado. — Eu posso sentar na mesa dos grandes, mas eles não discutem essas coisas comigo. Tudo o que posso te dizer é que confiam em você.
Kosho respirou fundo. Ainda não estava satisfeito com a resposta.
— Eu tenho a oportunidade que sempre quis de reconstruir meu país do zero, de ressignificar a cultura e a identidade dele, e estou tentando, mas você não faz ideia de como meu povo pode ser teimoso.
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Da Terra à terra
Science FictionAntologia que reúne contos mensais sobre um mundo pós-apocalíptico se desenvolvendo em um inverno nuclear. (Julho/2019) Rochedos de Chinatsu: Um cargueiro espacial tripulado por uma pequena equipe com destino à Terra, faz a escolta de um acusado de...