A Filha do Visconde

Prólogo

Londres, 1846.

Mary sempre adorou a sua família. Sem ironia alguma. Ser uma Bridgerton era sinônimo de um lar amoroso e roupas bonitas, de uma família grande e privilégios sociais. Privilégios sociais dos quais ela finalmente poderia desfrutar quando debutasse na temporada londrina daquele ano. Isso se seu tio Benedict não tivesse chamado a família inteira para comemorar seu aniversário de 60 anos em Kent durante - adivinhem - toda a temporada.

Ela desconfiava que seu pai colocara algum esforço extra para poder se livrar dos seus compromissos na cidade por alguns meses para poder ir com a esposa e a filha caçula para as festividades do irmão usando a velha desculpa de que o tempo passa muito rápido e eles devem aproveitar o máximo possível da companhia dos parentes. Em outras palavras, Anthony Bridgerton cancelou o debut de sua filha.

Ao confrontar o pai com suas alegações, o mais velho nem se deu a trabalho de parecer surpreso com a perspicácia da filha, ele apenas começou a citar a idade em que suas irmãs e cunhadas se casaram - e nenhuma foi com dezesseis, então ela não estaria perdendo muita coisa ao se abster da temporada.

O que ele não entendia é que ela não se importava com o casamento propriamente dito. Seria bom quando se apaixonasse e constituísse a própria família, claro, mas o seu debut não tinha absolutamente nada a ver com casamento, ao menos não ainda. Ela queria ser chamada para dançar, exibir vestidos novos e voltar para casa de madrugada. Queria ser cortejada e receber flores, depois dar longos passeios pela praça de algum bon vivant que acabou de voltar da França e não conseguiu parar de pensar nela. Porém, se dependesse de Anthony, Mary se tornaria uma solteirona. "Casar uma filha já foi traumatizante o suficiente" ele dizia para quem quisesse ouvir "Essa aqui vai passar o resto da vida conosco."

E o pior era que Kate concordava.

Um dia conversando com sua tia Hyacinth, a mais velha tinha lhe dito que essa superproteção dos pais era apenas uma crise de idade avançada deles. Anthony e Kate já estavam velhos e acabaram de casar Charlotte há apenas dois anos. Assim que Mary se casasse, eles ficariam sozinhos.

A caçula até poderia se sentir mal pelos pais, se não estivesse com tanta raiva.

Eles partiriam dali a dois dias, convenientemente no mesmo dia do início da temporada.

Quando a sobrinha chegou sem aviso, Daphne soube que as férias antecipadas em Kent seriam mais interessantes do que ela poderia prever. Torturar os irmãos era algo para o qual ela nunca amadurecera bastante para parar de fazer e depois de certa idade descobriu que a sensação só melhorava. Desde que Charlotte atingira a idade de se casar, Daphne fora responsável pelas paranoias colocadas na cabeça do irmão mais velho, relembrando-o de suas temporadas e de quando conheceu Simon. É verdade que a duquesa de Hastings ainda não perdoara Anthony pelos escândalos feitos naquela época.

— Alteza, — A acompanhante de Mary, Isla, se adiantou quando encontraram Daphne na sala familiar.

— Deixe-me adivinhar: ela saiu correndo para a carruagem e você não teve escolhas senão segui-la.

— Não poderia deixá-la perambular pela cidade sozinha.

Mary sentiu vontade de revirar os olhos, mas não iria desrespeitar a tia apenas por estar estressada. E ela tinha que admitir que Isla tinha razão e a coitada estava apenas fazendo o trabalho dela.

— Agora que já estou na segurança da casa dos meus tios, — Mary começou com um excesso de polidez — pode voltar para a Casa Bridgerton se quiser.

Isla olhou para a dona da casa em busca de apoio, porém a duquesa apenas assentiu em defesa da sobrinha.

— Agradeço por acompanhar minha querida sobrinha até aqui, mas não se preocupe mais. Eu a levo de volta mais tarde. Ou posso chamar seus pais para jantar conosco, o que acha? — Seu olhar se iluminou.