Passou um, dois, três carros e eu permaneci parado observando entre a abertura da janela. Era 4:30 da manhã, hora essa que me levanto para ir trabalhar. Esse horário não motiva ninguém a sair de casa por conta do perigo da cidade.
Enquanto eu olhava para rua com a mesma feição de alerta de quem procura algo, um som vindo de longe chama minha atenção. Era uma voz. A voz de uma pessoa cantando alguma música que se encaixava no estilo popular brasileiro - a tal ''MPB''.
A voz agora vinha toda alegre empurrando seu carrinho como quem não tinha nada a temer. Ia em portão em portão. Lixeira em lixeira. Pegando tudo aquilo que para ele tinha proveito e foi colocando dentro de seu carrinho.
Agora ele estava no portão do Mateus, amigo meu que não via há anos. A gente passava grande parte do nosso tempo - quando crianças - jogando vídeo game. Hoje em dia não o vejo mais. E também por causa do caminho traçado por cada um.
Assim como a lembrança que surgira e desaparecera do nada, o rapaz com seu carrinho fez o mesmo. Abri mais um pouco a fresta da janela pra tentar localiza-lo, mas como o som de sua voz substituía o silêncio da madruga, não foi difícil encontra-lo.
Segui ele com os olhos até seu próximo destino que foi a lixeira da Dona Maria, a mulher que tinha a calçada e a frente da casa sempre limpa. Dona Maria acordava toda manhã para regar suas plantas e aproveitava para limpar a calçada. A casa dela não tinha o modelo de casa americana, nem o estilo de vida, onde eles acordam cedo, e ainda com a roupa de dormir, partem com finalidade de manter seu gramado limpo e cortado. A calçada da Dona Maria era o gramado que ela não tinha.
Agora vem o rapaz em minha direção puxando seu carrinho que, vez e outra, emitia um som mais alto que sua própria voz. O barulho sessa. Encostado na parede acompanho seus passos até minha lixeira junto com seu assovio que aumentava cada vez mais que se aproximava. O rapaz não tinha pressa. Parava e escolhia. A lixeira parecia vários produtos iguais, mas com suas variedades de escolha.
Parou de mexer na lixeira e caminhou até seu carrinho novamente onde voltou a cantar. Interpretei aquela ação como recompensa de quem teve bom resultado na busca de garrafa, latinha e papelão.
Agora ele já estava de partida, e eu como quem oferece tudo pra visita, tive vontade de abrir a janela para lhe desejar bom dia. Mas não desejei. Abri a janela e coloquei apenas a cabeça para fora, mas não para observa o movimento e prever um possível roubo, e sim, o rapaz com seu carrinho.
Sai de casa e dei tchau pra aquele homem que empurrava seu carinho pela noite sem preocupação e medo, antes de ele sumir na curva. Mas apenas eu escutei. Arrumei a mochila nas costas e segui andando.