As músicas se misturam, meu vizinho ouve um rock pesado no som máximo, e eu ouço jazz clássico.
As notas poderiam dançar entre si ao atravessar as paredes e se mesclarem, mas sem harmonia alguma. Seria uma dança caótica, onde cada um se encontra em uma sintonia diferente, e os passos não combinam pois é simplesmente impossível os dois parceiros entrarem em um acordo em comum.
Eu dou risada com a situação e aumento um pouco a música, me levanto do sofá cinza desgastado, para ir para a cozinha do meu apartamento (que é literalmente a alguns passos de distância), passo pela minha tão amada samambaia pendurada perto da parede, um pouco antes do corredor estreito para os quartos e o banheiro se iniciar, e xingo quando tropeço nas pantufas rosadas que estão estrategicamente jogadas no chão.
Estrategicamente posicionadas para me irritar.
Parece até que esse apartamento entrou em um acordo com o mundo para me saturar um pouquinho mais a cada dia, pois a tinta branca da parede está velha e suja, atacando o meu toc, os móveis são todos de uma madeira escura e talvez até estejam um pouco desgastados pela umidade local, o piso é a melhor parte (é fácil de limpar), mas o que me faz relevar todos os pequenos detalhes que fazem essa grande diferença no meu humilde apartamento, é a janela resplandecente na sala. Ela é maior do que a da maioria dos prédios da região, e ver o sol nascer com a vista de São Paulo (que é agitada em todos os horários do dia), é restaurador para a alma. Minha samambaia concorda, se ela estivesse na outra parede, que é dividida pelo corredor, os raios solares não a alcançariam mais, e assim ela teria seu triste fim e murcharia rápido demais.
Bufo finalmente (como se tivesse demorado mais que meros segundos) quando chego a mesa e vejo o horário na tela rachada do meu celular.
20:43
Merda. Eu queria sair, mas não sei para onde.
As putas das minhas amigas miaram, cada uma com uma desculpa mais esfarrapada que a outra, mas todas com o mesmo destino, transar com o namorado, ou ex no caso de Lanna.
Está cedo, e Bird Box só me distraiu por uma hora, jazz me deixou avoada, mas por 15 minutos no máximo, eu poderia sair sozinha, mas isso é tão chato.
A uma semana e meia atrás essa seria a hora perfeita para ligar para Leon, mas a gente terminou, e foi um termino tão tranquilo e amigável, a gente jamais se traiu, nem mesmo foi abusivo um com o outro, ainda somos amigos depois de dois anos de namoro, nem tive vontade de mandar todo mundo para casa do caralho quando acabou, mas (sempre tem um "mas") tudo estava tão monótono e frio entre nós quanto o meu fogão (que jamais é ligado pois eu não gosto de cozinhar, e porque não curto estragar minha unha lavando panelas, e nem gastar grana comprando gás que é algo caro...).
Mas, mas, mas, mas, mas.
Argh! Chega! Como uma boa sagitariana, decido que vou sair, nem que me arrume para comprar pão! Afinal, é o fundo do poço estar tão entediada que estou lembrando do meu ex, sendo que a gente terminou pelas coisas estarem chatas, ou seja se eu ficar parada mais um pouco acho que viro parte da mobília da casa.
Primeiro vou para o banheiro, tomo o famoso banho, lavo tudinho e seco meu cabelo castanho ao sair, o que me dá um total de zero de trabalho, afinal ele é liso e está na altura do meu queixo.
Corro para o meu quarto, e não demoro para escolher o que eu quero usar, coloco uma meia arrastão, uma saia curta escarlate de vinil, uma regata branca e grandes brincos de argola. De maquiagem um rímel e um gloss me bastam, o sapato é o menos chamativo do look, um coturno preto e simples da arezzo fica charmoso e confortável ao mesmo tempo. A roupa no geral me valoriza, meu quadril é largo, tenho pouco peito e coxas medianas, mas tudo se encaixa perfeitamente em meus 1,65 metros no auge dos meus 23 anos.
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Samambaia
NouvellesEssa é a história do inesperado. Carina, só mais uma na metrópole de São Paulo, uma pessoa qualquer tão comum quanto todas aquelas que você encontra ao andar na rua. Ela também não acredita muito em amores à primeira vista, e talvez o destino exista...