Marinette chegou ao beco que já estava devidamente isolado afastando curiosos. Detestava ter que acordar tão cedo, mas não teve opção.
—O que foi desta vez, Luka?
— Uma menina, cerca de onze ou doze, cena feia de ver... — Ele segurava um lenço contra o nariz, o beco fedia, pois além de latões de lixo próximos o assassino tinha perfurado o trato digestivo da vítima. O odor começava a ficar mais forte agora que a temperatura começava a subir com os raios solares. Sangue, dejetos, material em decomposição. Nojento. Mas Marinette não ligava muito de onde vinha aquele horror era comum. Azar daquela garota, hora e lugar errados... Uma pena, realmente. Mas agora só restava a pintura macabra, a dor e o desespero tinham sido há horas.
— Me arrependi de ter tomado café da manhã. — Luka acrescentou alguns momentos depois. Um cara legal, mas não se dava muito bem com o lado mais escroto de trabalho.
Ela colocou as luvas de látex enquanto olhava tanto sua experiência quanto disposição das coisas a alertavam, aquilo tinha tido intervenção. O corpo da menina não era a peça central. Luka lhe entregou uma faca embalada como evidência. Ela notou rapidamente a inscrição na lâmina, ritualística. Contra quem ou o que tinham usado? Não precisavam daquilo para matar a menina, embora não tivesse dúvidas que também foi usada contra ela. O sangue e os resíduos na lâmina deviam ser dela.
Ela olhou os detalhes no beco em busca de algo que lhe chamasse atenção enquanto os demais policiais procuravam objetos que pudessem conter digitais ou outras pistas. Logo achou atrás de um dos containers de lixo. Ninguém estava prestando atenção a ela, então recolheu aquele item colocando em um ziplock para observar mais tarde. Era a primeira vez que suspeitava do envolvimento de um deles em algo assim, não deixaria isso junto com nenhum evidencia, não seria útil para o caso.
O corpo da menina foi colocado em um saco de necropsia e levado para o instituto médico legal. Talvez houvesse indícios, mas até onde a equipe podia visualizar a situação... Um bairro pobre, uma garotinha que vivia de restos, aos cuidados de algum arremedo de família que não tinha sido atenta o suficiente para protegê-la. O que seria a justiça nesse caso? Marinette gostaria de manda-los para o inferno e isso nem era tão difícil. Bastava acha-los e mandar para a cadeia, em solo francês não existia perpétua, ou pena cruel ou trabalhos forçados, em teoria, não se torturava. Os pais da "liberdade, Igualdade e fraternidade", mas bastava mandar um crápula destes para a cadeia com a pecha de pedófilo para dar um bom exemplo do que poderia ser equivalente ao tártaro. Os outros humanos podiam ser piores que qualquer capeta quando tinham vontade. Era só pegar o cara, e dessa vez parecia até pouco usual.
Na semana seguinte, lá pela hora do almoço eles já sabiam o nome da menina Madeleine sobrenome Dupret. Não era um nome incomum na França, muito pelo contrário uma menina ordinária com um nome usual. Poderia ter tido um futuro muito melhor do que aquele.
Quando Luka se afastou da mesa para buscar uma sobremesa Kyoko, a médica legista contou a colega de forma que não atrapalhasse a gulodice do Coffaine.
— Cheng, prometa-me que vai pegar o responsável!
— A autópsia foi tão terrível assim Tsurugi? — Normalmente a japonesa não se afetava pelo trabalho, mas desta vez pelo visto, uma exceção.
— Serei breve na explicação, quem fez isso fez um pequeno corte na traqueia, que fez com que o ar entrasse e saísse por ali. Então, o animal a seviciou com a faca e deixou por horas sangrando e só então eviscerou. Deve ser algum tipo torpe de sádico para ficar assistindo isso! Ela não podia nem gritar, Cheng!
Marinette podia ver imagens do passado, entendia perfeitamente o que a Tsurugi falava. Que tipo de monstro fazia essas coisas... Sentiu a bílis na garganta e tentou suprimir as sensações que tomavam conta sem permissão. Quando a dor e o desespero são tão grandes que sua prece principal é que a morte chegue mais rápido.
— Está pálida, Dupain Cheng. Sobre o que vocês estavam conversando?
— Sobre o caso, sabe se tiveram alguma sorte com as digitais, Coffaine? — Não foi Marinette que perguntou, mas sim Kyoko. A mestiça ainda estava um tanto alheia à realidade.
— Negativo, nada que preste. E os exames de sangue e fluidos?
— Sem sêmen e encontrados dois tipos sanguíneos o da própria vítima e um... estranho. — Neste momento, Marinette estava prestando atenção à conversa novamente.
— Como assim, estranho? DNA similar a de algum caso anterior? — Perguntou Cheng.
— Num exame normalmente se busca é simplesmente a compatibilidade com outra amostra. Isso não foi identificado até agora, nem acho que será. Mas o que é esquisito nesse caso é o pareamento dos genes pesquisados até agora, o que foi descoberto sem querer. Você sabe que os genes alelos, que formam pares? E que existem dominantes e recessivos e uma par pode ser composto por dois dominantes (ditos homozigotos puros), dois recessivos ou um dominante e um recessivo (ditos heterozigotos)?
— Sim, sim, me recordo vagamente de ter visto isso quando estudava, mas qual é o ponto?
— Bem, isso é um mero achado, não é algo sendo efetivamente investigado nem teria uma razão ser. Até o momento, a segunda amostra apresentou simplesmente 37 pares de genes iguais, não há um único par heterozigoto. É tão anormal que foi difícil entender no começo. Isso não parece normal. No fundo, todos estamos curiosos sobre isso no laboratório, na dúvida se alguém contaminou a faca com alguma amostra de algo de maneira propositada, mas até ter um material como esse é impossível. Infelizmente não temos tempo, interesse ou recurso para fazer o segundo projeto genoma no laboratório de perícias então, neste caso a amostra será preservada, mas não teremos mais novidades sobre isso. E a menos que tenhamos um suspeito ou uma amostra de DNA de um também não temos com o que comparar.
— Mas isso trás alguma consequência? Quer dizer, o suspeito tem alguma doença genética? Dá para saber as características físicas? Na prática pode...
— Não é isso, Luka, e não tem uma utilidade a priori. A questão é estatística. Imagine um balde cheio de bolinhas vermelhas e azuis em proporções iguais misturadas e uma pessoa vendada pegando uma a uma. Foram tiradas 37 do balde, todas azuis. Qual é a chance disso acontecer? E como não é nosso foco, ninguém vai tirar mais nenhuma bolinha deste balde, mas se tirassem, quantas mais seriam azuis? É como se nosso "John Doe" tivesse sido feito com "pecinhas iguais", entende? Da margem ao pensamento esdrúxulo que possa existir uma pessoa no mundo com todos pares de cromossomos exatamente iguais! O que com toda certeza, não é o caso, ainda assim dá vontade de rodar mais testes só para ver até onde chega isso.
—Então é uma mulher? — Foi Marinette que perguntou desta vez. — Para que os alelos do cromossomo X fossem iguais seria necessário outro cromossomo X.
—Não, Mari. A única diferença encontrada entre os pares cromossômicos até o momento é o fato de ser XY, um indicio que aponta no sentido de que apesar de bizarra, essa amostra possa ser real. É uma pena que isso não esteja em um laboratório de pesquisa e sim num forense. Isso daria um nó mental em diversos pesquisadores por aí, ainda mais se a cada novo alelo pesquisado essa coincidência se repetir.
Marinette adoraria testar uma segunda amostra, apenas para saber se esse tipo de coisa pudesse ter um padrão. Pena que jamais teria acesso ao material necessário... Ela sabia de algumas coisas, apenas não poderia falar sobre isso. E que provas tinha? Seria chamada de louca. Seus exames seriam "normais", afinal de contas ela era mestiça. E ainda assim não era uma deles, não era, nunca foi normal havia muito mais do que genética.
— Está mesmo avoada hoje, Mari! Já terminou o almoço? Temos que falar com algumas pessoas no caso Dupret. Um motorista de táxi na região levou um cara para outro bairro pouco antes do dia clarear, pode ser nosso cara.
YOU ARE READING
Apenas nos apócrifos...
ФанфикUm assassinato cruel, evidencias incomuns que não parecem levar a nenhuma direção certa E se não estivéssemos sozinhos? O que esses seres podem fazer entre os homens e quem guia suas ações? Para Marinette Dupain Cheng isso é apenas encrenca, não...