Confie em mim

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A sensibilidade em seus olhos era tanta a ponto de não aguentar a claridade das janelas. Não conseguiu dormir por mais de três horas, mesmo com o corpo implorando por um descanso.

Hyunwoo observou o lençol já esticado da outra cama, que apenas serviu como um estimulante a fim de aumentar sua irritação. 

Seu estômago reclamava com insistência para que descesse e por mais que não desejasse falar com ele, levantou.

Caminhando a passos lentos, descer as escadas parecia um sacrifício, ele se questionava internamente se não era melhor voltar para cama.

Antes de pisar na cozinha, o cheiro do café já invadia todo o local. Kihyun notou sua presença, enchendo uma segunda xícara de café em silêncio. Mesmo não olhando em seu rosto, sabia que o rapaz o fitava. Nenhum bom dia foi desejado.

Hyunwoo se aproximou da xícara já preenchida em cima do balcão, pegou algumas bolachas e saiu do cômodo.

Não era apenas raiva, mas decepção. Kihyun era capaz de escrever e publicar a história que quisesse, mas porque logo ele precisava ser o personagem com uma relação íntima consigo? Era seu o direito de no mínimo saber da situação antes de tudo. 

E se não encontrasse o caderno? A história ia para o público da mesma maneira?

Ele compraria o livro e descobriria juntos aos outros leitores que seu nome era usado como satisfação alheia. Pensar nisso machucava.

~

Durante o dia, a situação entre os dois não mudou. Por mais que estivessem em um sobrado médio, esbarrões eram frequentes, como um aviso de que era impossível fugir do problema.

Ao passar pela sala, avistou Kihyun aconchegado no sofá, assistindo um filme de ação. Quando percebeu o gênero, estranhou. Aquele tema não o agradava, então não fazia sentido o rapaz colocar algo assim para assistir sozinho.

Deu de ombros e subiu as escadas, pretendendo dormir um pouco, era a única forma que tinha para fugir de tudo por um tempo.

~

Ao acordar, pegou o celular para saber as horas. O aparelho havia sido esquecido por causa do sinal ruim, pelo menos se acostumou a ficar um pouco sem ele.

Levantou para acender o pisca-pisca. Mesmo que a princípio não acreditasse, aquele ideia de fato havia funcionado, ajudando ambos a dormirem sem serem incomodados. Porém, o plano de retirar algumas lâmpadas foi esquecido conforme as noites. Hyunwoo se aproximou da parede, subindo na cama para alcançar o fio. Felizmente ele era alto o suficiente para conseguir tirar algumas delas. Por mais que aquela ação não o agradasse, ele iria se esforçar.

Ao sair do quarto, desceu as escadas. Kihyun cochilava no sofá e pelo estado amassado de seu rosto arriscaria dizer que estava naquela posição há bastante tempo.

Se aproximou da televisão e a desligou, observando o outro se mover levemente pelo silêncio repentino.

Foi em direção a cozinha pretendendo comer algo e ao notar a enorme panela em cima do fogão, suspirou. Kihyun havia feito macarrão com queijo.

Ele acendeu o fogo para esquentar a comida, não levou muito tempo, já que ela não se encontrava totalmente fria. Pegou o prato e o preencheu com uma quantidade suficiente para passar o resto da noite satisfeito. Comeu devagar, lidando com o silêncio que naquele momento começava a irritá-lo.

Ele não iria tentar buscar respostas para aquele problema. Kihyun não moveu um dedo para tentar explicar a situação, então não seria ele a mover.

Terminou de comer, lavou a louça e subiu. Sua cabeça pesava, então se apressou a tomar um banho e tentar relaxar. Felizmente tinha o sono saudável, então sabia que dormiria pelo resto da noite mesmo que já tivesse dormido a tarde. Ou era isso o que pensava.

Ao deitar na cama virou de costas para a porta, a fim de encarar a parede. Não ter nada para distraí-lo logo o deixaria sonolento.

Era possível ouvir o barulho de talheres no andar de baixo, provavelmente Kihyun jantava.

Passou quase uma hora, quando o ouviu subir as escadas. O rapaz caminhava em passos leves, como se não quisesse ser notado no cômodo. A gaveta da cômoda havia sido aberta, logo depois fechada.

Kihyun saiu do quarto, devolvendo o silêncio.

Hyunwoo permaneceu acordado até ouvi-lo voltar, fechar a porta e se acomodar na cama. Pouco tempo depois, apenas o som da respiração de ambos preenchia o cômodo. Foi então que fechou os próprios olhos, entregando-se ao mundo dos sonhos.

~

Demorou algumas horas para sentir um leve incômodo, igual a quando insistirmos dormir mesmo sem sono algum. Seus olhos novamente se abriram, encarando uma escuridão sem fim.

— Você apagou o pisca-pisca? — era nítido como sua respiração já começava a se agitar.

Kihyun não era seu amigo? Ele teria a coragem de fazer algo assim?

" — Vamos brincar, nunu. Por que você está chorando?"

Aquela voz havia voltado, junto ao desespero que saia como suor de sua pele.

— Acenda a luz. — pediu começando a curvar o corpo.

" — Shownu, acorde." — uma outra voz se tornou presente.

" — Nunu, é apenas uma brincadeira. Nunu, é apenas uma brincadeira. Nunu, é apenas uma brincadeira. Nunu, é apenas uma brincadeira. Nunu, é apenas uma brincadeira. Nunu, é apenas uma brincadeira."

— Por favor, acenda as luzes, eu odeio isso. — seu corpo tremia da mesma forma que antes. Já seus olhos, ardiam. Um sinal de que estava prestes a chorar.

" — Uma brincadeira. Uma brincadeira. Uma brincadeira. Uma brincadeira. Uma brincadeira. Uma brincadeira. Uma brincadeira. Uma brincadeira. Uma brincadeira. Uma brincadeira."

Hyunwoo apertou os olhos, permitindo que pequenas lágrimas escapassem. Foi então que um cheiro forte de lavanda preencheu o ar.

— É só um pesadelo, confie em mim. — a outra voz começou a dizer. Ele abriu os olhos lentamente, observando o quarto mais claro, o pisca-pisca continuava ali, intacto.

— Apenas confie em mim.

O medo ainda se alastrava por cima de sua pele, mas ao sentir braços serem depositados ao seu redor, tudo em sua volta congelou.

Ele não conseguiu olhar para trás, não queria lidar com aquela situação. Naquele momento apenas fingiu ainda estar dormindo, tentando ao máximo esvaziar a mente enquanto sentia aquele perfume o acalmar.

Pequenas coisas (Showki)Onde histórias criam vida. Descubra agora