Já passaram-se alguns anos desde aquela noite. Mesmo assim, com tantas outras lembranças marcantes presas à minha mente, ainda lembro, detalhadamente, daquele momento, daquele fogo, daquele corpo.
O local não era o mais propício para a propagação daquelas chamas, mas quem manda no desejo? O relógio de parede, exposto acima da mesa de Michele, minha companheira de trabalho, marcava dezessete horas e quarenta e cinco minutos. Estávamos a quinze minutos do fim do expediente, por isso, todos os funcionários começaram o processo de saudações e partidas do dia que terminara. Os cumprimentos eram os mesmos de sempre, palavras curtas e desejos por um trânsito não tão agitado quanto de costume, além de uma noite calma o suficiente para recobrar as energias para mais um dia que estaria por vir. Minha concentração estava totalmente voltada para as várias planilhas que deveriam ser entregues no dia seguinte, enquanto ela, dotada de interesses bem mais libidinosos, franzia a testa a cada nova mudança de iluminação da tela de seu computador.
Após alguns instantes de atenção total às várias células numeradas, ambos os ponteiros daquele marcador de ciclos já ultrapassavam o numeral seis, disposto no ponto sul do objeto esférico. Quando avistei aquela incrível mulher levantar de sua cadeira e percebi, com a visão periférica, a sua aproximação, foi como alcoolizar todos os sentidos instantaneamente. Acreditei que estava partindo para a sua residência, apenas um pouco mais pontual que os demais. Minha primeira reação foi proferir as saudações habituais, mas as minhas palavras foram ignoradas, atitude até um pouco rude da parte dela. Apesar das várias suposições fantasiosas criadas em minha mente em um único átomo de tempo, ao vê-la direcionar-se a mim, seu desfilar percorreu todo o caminho que direcionava ao banheiro feminino, em uma posição que impossibilitava a minha visualização, pois o cômodo ficava situado em local oposto à posição do meu birô. Minha atenção estava novamente atinada ao serviço, que tinha uma necessidade quase que imediata para ser entregue, visto que aquele era o meu primeiro mês na empresa e a necessidade de mostrar serviço era notável. Os olhos permaneciam tão fixos àquela tela que nem percebi, ao fundo, que Michele já havia voltado do banheiro e retornado à sua mesa.
Já eram quase dezenove horas e eu não sabia o real motivo de ela estar presa na firma até aquela hora. Talvez as obrigações dela também necessitassem daquelas horas extras. O meu dever já estava quase terminado quando, utilizando um tom de voz extremamente provocante, um habitual questionamento, normalmente pela chefia, me foi feito.
- Está perto de terminar aí?
Aquela pergunta, feita em um momento quotidiano, teria uma resposta simples e direta. Porém, naquelas circunstâncias, observando-a lentamente de cima a baixo, ao mover a minha cadeira giratória um pouco para o lado, onde obtinha uma visão frontal totalmente desimpedida, o que deixava a perspectiva direta sem nenhum obstáculo, há poucos metros de distância, a real situação em que a tentadora dama encontrava-se provocou arrepios por todo o meu corpo, não consegui esconder as palavras. Toda aquela transformação aconteceu nos poucos minutos que separaram a sua ida ao toalete da formação daquela pergunta aparentemente cheia de segundas intenções. Meus olhos não puderam acreditar no que avistavam. À frente, a mulher, que habitualmente utilizava vestimentas no estilo secretária composta, saia um pouco acima da altura dos joelhos, meia calça em um tom um pouco mais leve, mas na mesma cor, e uma blusa social de cor contrastante, adicionado a um terninho quase sempre escuro, estimulava os meus desejos sexuais com um batom vermelho chamas, cabelos soltos, jogados em cima do busto, dois botões da formal camisa abertos, o que aguçava a corpulência de seus seios, e na parte inferior, avistado por debaixo da mesa, movimentos separativos e mais prolongados que o regular, o que deixava amostra a ausência de uma peça íntima. Por mais que não acreditasse naquele sonho palpável, enquanto assistia, incessantemente, aquele deslocamento sedutor de pernas e os lábios carnudos sendo molhados pela língua que insistia em caminhar lentamente pela totalidade da boca rubra, em movimentos circulares, acompanhados por um olhar estimulante que dava por cima do óculos de grau descaído no nariz, toda provocação tem um limite. Parecia que ela conhecia perfeitamente a fronteira entre o respeito coorporativo e a libido humana. Naquele momento, tal extremo já houvera sido ultrapassado e as chamas do afago corporal já estavam a postos para incendiar as nossas almas.
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Calor Carnal - O Ciclo Vicioso do Prazer
Short StoryJá se passaram muitos anos desde aquela noite. Mesmo assim, com tantos outros fatos marcantes presos à minha mente, ainda recordo, detalhadamente, daquele momento, daquele fogo, daquele corpo. O local não era o mais propício para a propagação daque...