delegacia, sangue, choro e etc.

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–Vovó... Estou de volta!– diz alto assim que entra em casa, estranhando encontrar o lugar tão silencioso e não ouvir respostas da avó –Trouxe o remedinho junto com os doces que a senhora gosta!

continuou dizendo, mas ainda não ouviu nada. já estava difícil manter o tom de voz calmo e fingir que não estava com o humor todo desgastado pelo problema que teve a poucos minutos, junto a preocupação de encontrar a casa tão silenciosa e sem nenhuma luz acesa.

seguiu andando em passos lentos até o quarto da senhora, tinha um aperto forte no peito, que imaginava ser um medo bobo por estar tão escuro ali, ou simples preocupação pela falta de qualquer som vindo da avó. a porta do cômodo estava escorada e era possível perceber que a lâmpada dali também não trabalhava, o garoto engoliu seco e ergueu a mãozinha tremula ao que tentava se convencer de que a mulher estava apenas dormindo -mesmo ela não tendo o costume de dormir nesse horário- e de que seu coração acelerado seria apenas resultado do medo de escuro.

respirou fundo e contou até três mentalmente, mesmo achando boba toda aquela tensão que sentia, não podia simplesmente evitá-la.

um... e colocou a mão sobre a maçaneta arredondada e fria.

dois... e a empurrou para baixo, mesmo que a porta não estivesse fechada, era instintivo.

três... e abriu a porta de uma vez só, acabando com a agonia. não realmente acabando, claro, só a deixando milhares de vezes pior.

bastou colocar os olhos dentro do quarto que gritou alto o suficiente para chamar a atenção do quarteirão inteiro. talvez tenha sido uma reação prudente, pois com certeza não iria saber se virar sozinho a partir dali, já que sentiu o corpo fraquejando e aquela sensação agoniante subiu de suas pernas, passando pela espinha, até não conseguir mais enxergar direito. sua pressão havia caído instantaneamente, e o garoto, sem aguentar o próprio peso, caiu junto com ela.

tinha as mãos tremendo sem parar sobre as próprias pernas, não tinha nem mais lágrimas pra chorar, havia esgotado todas durante o seu depoimento para os policiais. teve de reviver verbalmente todo o sofrimento de encontrar alguém tão importante para si caído no chão do quarto, sangrando sem dar um sinal de consciência. olhava atônito para os dedos levemente sujos de vermelho, resultado da tentativa desesperada de ajudar a avó. mas suas mãos foram manchadas em vão, já não dava tempo de ajudar.

de repente sentiu um toque no ombro direito, era quente e aconchegante, mas só sentia frio e mais frio, interminavelmente frio.

—Não quer lavar as mãos, anjinho? continuar olhando pra isso só vai te deixar pior.— a voz baixinha do sargento evans soava tão reconfortante quanto o toque. era amigo de longa data dos Min, quase como um tio para yoongi de tão presente em seu crescimento. sem respostas, o homem toma uma das mãos do menor, o conduzindo a se levantar —Vamos... E depois te dou algo de comer, ainda está pálido.

o loirinho não relutou, mas ainda estava meio estático, não sentia que controlava as próprias pernas para andar pelos corredores mal acabados da delegacia. ainda piscava pouco, com os olhos fixos no chão bege e sem graça abaixo de si, mas tudo o que via ainda era vermelho, não conseguia tirar o sangue da cabeça. temia ter adquirido algum trauma.

chegando ao pequeno banheiro do lugar (também mal acabado) se pôs a lavar as mãos de maneira robótica, sentindo que sua mente estava bem longe do corpo. viu a água gelada carregar consigo o vermelho de suas mãos. tudo que conseguia pensar era em tinta guache, a visão era idêntica à de quando pintava, sujava os dedos e tinha de lavar na pia do banheiro. com certeza sua interpretação era mil vezes mais bonita que a realidade, por isso, se convenceu de que estava apenas lavando a tintura das mãos enquanto começava a ençaboa-las.

quando terminou, pôde olhar o reflexo preocupado de chris no espelho a sua frente, vendo que este também o encarava através daquela superfície, comprimindo os lábios assim que seus olhares indiretamente se encontram.

—Pronto, anjo?— perguntou num tom suave, sentindo que o garoto poderia quebrar só de ouvir sua voz soando mais alta. o min realmente parecia mais delicado do que nunca, branco como uma boneca de porcelana -e também mudo como uma-. sem respostas, o mais velho puxou o pequeno pra mais perto de si, abraçando o corpinho frágil com toda a delicadeza possível —Não aguento te ver assim... principalmente quando nem sei o que fazer.

ao encarar os olhos azuis do mais alto, praticamente desmanchou em seus braços, começando com um tremelique nos lábios, seguido de um soluço bem audível, e dali surgiram mais das dolorosas lágrimas que pensou já terem secado de vez. sem suportar mais aquele peso, abraçou o outro com força, apertando os braços em torno do mesmo e apertando sua blusa entre os dedos. seu rosto foi de encontro com o ombro do evans, enquanto sentia um carinho cuidadoso em suas costas e a barba espessa do mesmo roçando na lateral de seu rosto, trazendo o mínimo de conforto para aquele momento tão traumático.

—E-Eu juro que queria ter p-protegido ela! J-Juro!— em fim se pronunciou, com a voz instável e embargada pelo choro, soava desesperado —Desculpa... Desculpa... Não queria ter deixado ela sozinha, m-mas... precisava comprar os remédios d-dela! Eu não queria que...

foi interrompido por um "sshh", baixinho, calmo e tranquilizador —Eu sei, meu bem, não é culpa sua. Você não tem nada a ver com o que aconteceu. estava apenas cuidando da sua avó quando saiu pra comprar os remédios. Além do mais, não havia nada que pudesse fazer...

depois de muito tempo naquele banheiro e muito custo para conseguir fazer o garoto parar de se culpar enquanto soluçava, chris sai dali apoiando o mesmo em um de seus braços, o guiando para se sentar no mesmo lugar de antes. se abaixou na frente do menino, limpando o rosto molhado com o polegar num carinho discreto.

—Agora espere um pouco, vou te buscar um salgado e alguma coisa pra beber, está bem?— procurou aprovação, mesmo que não fosse aceitar um não como resposta, e o min só concordou com a cabeça, mesmo tendo o estômago embrulhado e sabendo que dificilmente conseguiria comer direito.

mesmo preocupado por estar deixando o garoto sozinho, o mais velho saiu dali pra buscar o que já havia citado pois, conhecendo o menor o suficiente, sabia que se não o desse de comer logo sua pressão continuaria caindo, afinal, ainda estava pálido.

o próprio yoongi só voltou ao estado inicial, paralisado, encarando as próprias mãos sobre suas coxas, tremendo enquanto esperava ansiosamente para acordar e descobrir que só estava tendo um pesadelo, se perguntando se era possível uma noite tão ruim como aquela realmente existir.

little red riding hood ❁ yoonseokOnde histórias criam vida. Descubra agora