O celeiro da família era um casebre decrépito de madeira que abrigava algumas galinhas e uma vaca com as costelas aparentes, que ainda conseguia dar leite com alguma dificuldade. A mãe estava sentada em um banco baixo de madeira e, por mais força, que fizesse ainda não tinha enchido nem metade do balde de metal. Ela levantou a cabeça e secou o suor da testa quando ouviu a porta se abrindo.
– Feche logo essa porta, Sara! Está fazendo muito frio lá fora. Não acho que a nossa vaca vá aguentar até o fim do inverno.
– Mãe, eu queria conversar algo com a senhora. – Sara se aproximou com passos hesitantes bem ensaiados, o rosto baixo para evitar que a mãe visse o sorriso que brotava em seus lábios. Nádia assistia a cena pela fresta que ficara aberta da porta.
– Sim?
– Sobre uma conversa que ouvi a senhora e o papai tendo ontem. Sobre como a Nádia só nos gera despesa agora que o dinheiro que nos deram para criá-la acabou.
Magdalena levantou tão rápido que assustou a vaca e derrubou o balde. Metade do pouco leite ordenhado pintou o chão de branco, e ela ajeitou o balde xingando baixinho antes de se virar para a filha mais velha.
– Do quê você está falando, Sara? Não pode ficar escutando as conversas dos adultos, não me importa que você já tenha quase 14 anos!
– Mas é verdade, não é? Eu já tinha reparado como a Nádia é diferente de todos nós, aquele cabelo escuro e o corpo ossudo. Você vai arriscar a suas filhas verdadeiras por uma bastarda?
Do lado de fora os joelhos de Nádia cederam e bateram no chão congelado. A fita estava esquecida, caída no mato rasteiro. O mundo parecia girar e o ar parecia mais gelado que nunca; a fita não tinha mais importância agora.
– Me escute aqui. Essa é a última vez que falamos sobre isso. Sim, o servo de um nobre veio e nos deu dinheiro para criarmos um bebê como se fosse nosso. Acho que eles imaginavam que ela passaria despercebida no meio de nós. Usamos o dinheiro para comprar duas vacas, a que morreu ano passado e essa que não deve chegar até o próximo. O servo deveria ter voltado quando ela fez cinco anos, mas ele não apareceu e não sabíamos o que tinha acontecido. Seu pai descobriu o nome da família, Petrova, e então o resto da história.
Petrova. Nádia experimentou o nome saindo de sua boca, os movimentos que os lábios precisavam fazer. Petrova. Era quem ela era, uma desconhecida até para ela mesma
– Por que alguém pagaria para cuidar de uma criança bastarda?
– Nós achávamos que tinham entregado o bebê a nós por causa disso, mas poucos anos depois todos no palácio dos Petrova foram mortos. Não sobrou ninguém. Então achamos que nos entregaram a Nádia para protegê-la de alguém. – Magdalena enroscava o tecido do avental com as mãos, Sara não sabia ficar de boca fechada.
– Então é perigoso ela continuar aqui!
– Sim, Sara. É por isso que ninguém pode saber dessa história. Os Petrova eram queridos na região, até agora ninguém soube dizer ao seu pai quem poderia ter feito isso.
– Então, mãe...
– Mas ela é filha de um nobre, está entendendo? Mesmo uma filha indesejada, é filha de um nobre, e pode nos render um bom dote quando a casarmos com alguém do vilarejo onde ela nasceu, alguém que possa pagar mais do que o servo tinha nos oferecido. O palácio está abandonado, mas quem casar com ela será dono dele também. E isso precisa ser segredo até tudo estar arranjado, até termos certeza que ninguém virá atrás dela para eliminar a última pessoa da família. Além disso, se ela se deitar com um camponês, toda a nossa família estará perdida, está entendendo? Há muita coisa que não pode dar errado! – Magdalena apertava o braço da filha com força; ela sabia o quanto Sara sempre implicara com Nádia, e sabia que a mais velha poderia contar tudo apenas para ver a outra menina chorar.
– Ela tem um castelo? – a voz de Sara tremia de raiva e inveja.
– Cala a boca, Sara! Isso é segredo!
– Tarde demais para isso. Desculpe, mamãe. – Sara falou olhando para o chão, sentindo um prazer perverso ao ver a mãe empalidecer e ver as lágrimas no rosto de Nádia quando a porta do celeiro se abriu. A garota nem merecia estar na casa deles, dividindo a pouca comida que tinham, e ainda tinha um castelo?
Magdalena sentiu o sangue se esvair do rosto quando viu Nádia caída ali de joelhos, as lágrimas escorrendo pelo belo rosto.
– Então é isso que eu sou para vocês? Algo para ser vendido, como um animal de celeiro? Isso se eu não for morta por um desconhecido, não é?
E antes que Magdalena dissesse uma palavra, Nádia já estava correndo para longe.

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O Legado Petrova
VampireDepois de séculos sobrevivendo como vampira, Katherine Pierce conhece Nádia, a filha que lhe foi arrancada dos braços logo após o parto quando ela era a jovem Katerina Petrova. Nádia Petrova não descansou em sua jornada, e essa é a história de como...