Maldita hora em que resolvi pegar o atalho pela propriedade dos Willians. O que me motivou foram as nuvens negras e o ar abafado, que prenunciavam um temporal avassalador. Chegar logo em casa era tudo o que eu queria.
A cerca de arame farpado era a única barreira que demonstrava que a partir dali o terreno era particular. O suor escorria pela gola de minha camisa, já com a gravata frouxa e o botão aberto. Passar pela cerca não foi problema. Dei os primeiros passos em direção a um caminho tortuoso no meio da mata fechada. A brisa rapidamente transformou-se em vento forte. A poeira do caminho estreito feriu meus olhos, o que me fez, num ato de puro reflexo, enfiar o dedo no olho e feri-lo.
Decorridos alguns minutos, ouvi um choro baixo e constante. Um arrepio subiu pelas minhas costas. Os pelos dos braços e da nuca se eriçaram. Meu coração começou a palpitar e pude senti-lo claramente pulsando na garganta Uma sensação muito estranha tomou conta de mim. Não havia mais volta. O som estava muito próximo. Fiquei paralisado, com os pés plantados naquele local ermo, em meio a árvores e prestes a ser saraivado com a iminente chuva que me colocara naquele caminho mais curto.
Voltar daria mais trabalho, e se fizesse isso, certamente seria pego pelo temporal que se avizinhava. Então, com a adrenalina me encorajando, continuei minha caminhada. O choro aumentou e um lamento alto me fez pular horrorizado. Olhei assustado ao redor e vi uma árvore de aparência muito antiga. Era alta e com galhos espessos. Uma força inexplicável levou meus pés até bem perto dela. Repentinamente tudo silenciou! Um relâmpago rasgou os céus e um estrondo me fez correr como nunca antes na minha vida.
Naquela mesma noite resolvi pesquisar, na internet, sobre a história daquele local. Descobri que os Willians, donos daquelas terras há séculos, foram senhores de escravos. Aquele bosque tinha sido o local de castigo para negros fugitivos que eram capturados.
Conta a história que na maior árvore do local, os escravos eram pendurados de cabeça pra baixo nos galhos mais altos e deixados ali para morrer. A visão era assustadora, e servia como exemplo para frustrar outras tentativas de fuga.
O que me intrigou, porém, foi o fato de ter ouvido aquele choro baixinho e os lamentos, como se alguém estivesse por ali, lamentando-se pela morte de um ente querido.
No dia seguinte, já no trabalho, ouvi a gerente do escritório, dona Ana, comentar com outra colega que ela era descendente de escravos, e que sua família havia passado por muitos sofrimentos naquela região. Imediatamente me lembrei da situação assustadora do dia anterior. Acabei me intrometendo na conversa, como quem não quer nada, e perguntei se dona Ana conhecia alguma história sobre a grande árvore. O olhar dela se perdeu por alguns instantes, mas logo ela me encarou e disse que tudo o que eu pudesse ter ouvido falar sobre o assunto nem se comparava à realidade do que realmente acontecera por lá.
Percebendo que havia algo esquisito acontecendo, criei coragem e comentei sobre minha experiência recente. Dona Ana apenas me fitava, como se não fosse a primeira vez que ouvisse aquela história. Quando terminei, ela simplesmente me disse para não passar mais por aquele lugar e esquecer o ocorrido.
Apesar do medo, não me contive: na volta pra casa entrei no terreno dos Willians e caminhei diligentemente até a árvore alta. Dessa vez não ouvi choro ou lamento algum. Pensei comigo mesmo que provavelmente tudo tinha sido fruto de minha imaginação fértil. Mas como explicar os resultados da pesquisa na internet? E a reação pouco amistosa de dona Ana?
Quando já me afastava da árvore em direção a minha casa, o choro e o lamento começaram. Levei um susto tão grande que tropecei e caí de cara no chão. Ao olhar para trás, de relance, vi a sombra de uma pessoa agachada próximo à árvore. Fiquei petrificado! O corpo inteiro arrepiado. Minha garganta secou e comecei a suar frio.
Apoiei-me num arbusto à beira do caminho e consegui me levantar. O nariz sangrava e a perna doía. Ao olhar novamente, não havia mais ninguém.
Cheguei em casa, limpei os ferimentos e coloquei meu celular para carregar. Estava ansioso para mandar uma mensagem para dona Ana. Após uma pequena carga no aparelho, escrevi: "Desculpe incomodar, mas algo estranho aconteceu no caminho de volta pra casa. Podemos nos encontrar?"
Após poucos minutos, chegou um áudio no meu aparelho. O número era de dona Ana. Acessei e fiquei mais assustado ainda: choro e lamento! Num impulso inexplicável, joguei o celular no chão. Por sorte não quebrou.
Apesar do medo, corri de volta pelo caminho empoeirado em direção à árvore alta na propriedade dos Willians. Precisava saber o que estava acontecendo. Ao me aproximar do local, o choro e o lamento já podiam ser ouvidos. Dei alguns passos mais curtos e silenciosos, esgueirando-me pelas árvores e arbustos. Seja lá o que estivesse acontecendo, eu tinha que descobrir.
Tive uma visão aterradora! Um homem branco estava amarrado de cabeça pra baixo na árvore alta, e uma mulher, logo abaixo de seu corpo, chorava e se lamentava, cobrindo o rosto com as mãos. Era como se uma mãe chorasse pela morte de um filho, ou uma esposa pelo seu marido.
Esfreguei os olhos, como que não acreditando no que eles estavam testemunhando. De repente, uma risada diabólica irrompeu no ar. Meu coração quase parou! Nunca sentira um medo tão intenso. O pavor tomou conta de mim, e eu não consegui reagir. Fiquei ali, camuflado, estupefato, aguardando para ver que fim tudo aquilo teria.
Foi então que vi, saindo de trás da árvore alta, dona Ana, olhos esbugalhados e um risinho sarcástico no rosto. Ela olhou para o corpo na árvore, depois para a mulher chorando e disse: "Estamos vingados!" Nesse momento ela olhou na direção em que eu estava escondido, e parece até que sabia que eu estava ali. Calafrios tomaram conta de todo o meu ser.
No dia seguinte enviei uma carta de demissão e nunca mais voltei àquele lugar.
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Árvore dos lamentos
Short StoryUm temporal se aproximando, um atalho no meio da mata e uma descoberta assustadora!