Numa noite sem luar

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         Caminhava lentamente. As costas curvadas confirmavam a sensação de cansaço transmitida pelos passos lentos e vacilantes. Parecia não saber para que lado seguir. Na mão uma sacola velha, de couro escuro, ralado e estragado, com um remendo aqui, outro ali. Quando parou, em meio à ladeira, que nem seria assim chamada tão leve era a inclinação, pensei que fosse desistir de continuar. Eu já o observava há alguns minutos, interessado em adivinhar que lado tomaria. Dois acertos, agora um erro, pois ele apenas suspirou – vi seus ombros se elevarem e quase ouvi a inspiração profunda. Quem seria ele? Sob o chapéu, com a gola da capa erguida, uma mão no bolso e a outra carregando a sacola, impossível saber se era moço ou velho. Certamente um homem, seu porte era de homem. Um homem caminharia assim, não uma mulher. Na esquina olhou para os lados e ameaçou voltar a cabeça em minha direção. Fingi observar a casca de uma árvore, mas ele não chegou a se virar. Novamente decidia seu rumo, mas em vez de virar foi em frente.

Posso ajudá-lo? Seria um jeito de abordá-lo mas ele não parecia ser alguém que quisesse ser abordado.

Ouviam-se seus passos na cidade silenciosa. Nada para ver na rua, todos entregues à vida alheia da novela. Estavam baixando a porta de ferro da padaria. Ele se apressou e segurou a porta sanfona detendo sua descida. Puxou-a para cima e a luz amarela do salão clareou um pouco mais a rua.  Imagino que o rapaz tenha dito que estava fechado. Não ouvi as vozes. Então ele entrou, mais curvado, para passar no vão da porta.

            Esperei que saísse, embora tivesse gostado de saber o que se passava lá dentro. Saiu sem nada nas mãos. Olhou para mim, olhou para a frente e continuou, com os mesmos passos lentos e vacilantes. Indaguei-me por que estaria eu a observá-lo, o que me importava para onde fosse ou que caminho tomasse? Sem resposta e sem mudança, continuei. Já que agora  ele sabia de minha presença não precisei mais ter cuidado e me aproximei um pouco. Senti o cheiro acre. Sem saber a razão, olhei para a porta da padaria. Aberta. Por que não fecharam se estavam fechando quando o homem se aproximou?

            Senti medo. Era um assassino, teria ferido o rapazinho? Voltei as costas para ele e estava começando a descer quando ele me acertou. Foi só isso, doutor, não sei de mais nada.

Numa noite sem luarOnde histórias criam vida. Descubra agora