Depois da terceira xícara de café, me concentrei na tarefa para o dia dos pais na escola do meu filho. Já passava das 11 horas, e faltavam muitos itens. Eu não fazia questão de esconder dos outros o desinteresse, mas com o menino me esforçava.
— Desliga a tevê e vamos ao mercado, Duda, a gente ainda tem que fazer as compras antes de ir para a escola. Se chegarmos depois do meio-dia, aquela bruxa da dona Arlinda não deixa mais a gente entrar. Você sabe que ela é terrível.
— Pô, pai, acho que a gente tinha que ter acordado mais cedo — disse meu filho olhando a lista do supermercado.
— Pessoas decentes não acordam antes das dez, ainda mais no domingo. Vamos correndo que dá tempo — respondi enquanto calçava os chinelos.
O tema da festa era cozinhar na escola um lanche em conjunto e confraternizar depois em torno da refeição, o que mascarava uma gincana onde cada um queria aparecer mais do que o outro. A coisa seria ainda pior, pois o Julinho estava na sala do Duda. Desde que o pai dele tinha resolvido aturar minha ex-mulher — cometendo a loucura de viver com ela sob o mesmo teto! — eu o evitava igual piolho faz com os carecas. Mas naquele dia teria que vê-lo se exibir.
Coube ao Duda e a mim a preparação de um bolo, e eu não tinha feito um troço daqueles desde a faculdade. Chegamos na escola dois para o meio-dia, e lá estava a diretora segurando o portão de olho no relógio — aquele jaburu adorava apressar a gente.
O pai do Julinho já havia chegado, cheio de gel nos cabelos, com aquela pinta de quem tinha feito as compras no dia anterior e estava acordado desde às sete da manhã. Ainda teve a cara de pau de se colocar à disposição para me ajudar. Que infâmia, e falou aquilo na frente das crianças para me taxar de incapaz. Fingi que não entendi a provocação.
— Obrigado Maurício, não precisa não. Está tudo no esquema — respondi sem olhar.
O Duda operou a batedeira e eu acrescentei os ingredientes. A cada zumbido dos batedores um pouco da massa respingava em mim. Fiquei salpicado até no rabo de cavalo. Pensei em pedir ajuda, mas não dei o gostinho ao Maurício.
Apesar de seguir as instruções, a gororoba foi ficando com uma cara horrível e um forte cheiro de ovo. Quando colocamos a massa encaroçada na forma, que esqueci de untar, o fracasso era evidente. Até uma formiga embarcou do bolo. Não tinha jeito daquela joça dar certo. Quando meu filho duvidou do nosso sucesso, precisei salvar a situação.
Para um efeito surpresa, a escola havia preparado caixas fechadas de papelão para os pratos. Deveríamos pegar uma delas, escrever o nome do aluno e pôr dentro nossa preparação. Como solução para escapar do vexame, decidi trocar meu grude por outro bolo.
Telefonei para uma confeitaria no Largo do Machado, ao lado de casa, e encomendei uma receita com os mesmos ingredientes. Pedi o melhor dos bolos, oferecendo o dobro do preço para tê-lo em uma hora.
Antes de entregar a nossa preparação para ser assada pelos funcionários da escola, enrolei para dar mais tempo à confeitaria. Minha atitude tinha mudado, estava relaxado, nem a cara de bunda do Maurício me irritava mais. Duda foi brincar com as outras crianças, cujos pais esfregavam seus conhecimentos culinários nas caras uns dos outros. Deixei-os nesse concurso de babaquice e anunciei que iria em casa rapidinho trocar a roupa suja de farinha.
Escrevi o nome do Duda em uma caixa e a enfiei na mochila. Na confeitaria disse que o bolo deveria ser posto naquela caixa. Não tive coragem de contar minha falácia, mas insisti para que tudo fosse impecável e com os mesmos ingredientes.
— Tem que ser perfeito, sensacional — disse dando mais cinquenta reais para o responsável da loja.
Já estava vendo o Maurício com a cara no chão diante da minha glória. Como ainda faltavam vinte minutos para ficar pronto, passei em casa pra me trocar e justificar minha ausência. Fui assobiando pelo Aterro do Flamengo e voltei em cima da hora. Eles tinham fechado a caixa com fita adesiva para não desmontar, e com o tempo curto nem pude abrir para verificar. Mas estava cheiroso e quentinho, não tinha como dar problema. Coisa de profissional.
— Jura que ficou bom?
— Caprichei, massa fofinha. O melhor bolo dessa semana — garantiu o confeiteiro confiante.
Entrei na escola com uma sacola, escondendo o bolo e o sorriso. Trocar as caixas foi moleza. Joguei de qualquer jeito na mochila o bolo xexelento já assado pela escola e pus o novo no lugar.
Na hora do lanche, ao ver a caixa sendo aberta na frente de todos, o ar triunfante que eu exibia foi substituído pelo horror diante de um bolo decorado com uma bela caligrafia em chantilly: Confeitaria Carioca.
VOCÊ ESTÁ LENDO
PESSOAS DECENTES NÃO ACORDAM ANTES DAS DEZ
Short StoryEm uma festa de escola onde cada família quer se mostrar melhor do que a outra, um pai pouco precavido vai fazer de tudo para não frustar seu filho na preparação do bolo de confraternização.