Mozart

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Após o treino fui direto ao meu dormitório, me joguei na cama e lá fiquei alguns minutos. Teria que me acostumar com a rotina de exercícios, poderia ter lido um livro nesse tempo. Ah, Chloe! É por uma ótima causa e você dá conta, é só administrar seus horários. Se eu acordar ou dormir uma hora mais tarde consigo continuar minha rotina sem precisar abrir mão de nada. Meia hora depois Linda entra no quarto com sua penca de livros e seus óculos na ponta do nariz.

-Que roupa é essa? – ela perguntou me encarando.

-Está falando com a mais nova líder de torcida dos Lions.

-Mentira!? O que? Mas porquê?

-Eu preciso de uma grade curricular boa, tem que ser além das notas altas. Participar de grupos, projetos, enfim. Se eu conseguir, posso passar as férias na Hollywood Art.

-Ai que incrível! Você ama essa editora!
-Sim, mas vai ser bem complicado.

-Posso te inscrever no coral.

-Vai bater com os horários de treino. Pode ter certeza que eu já pesquisei!

-Bom, procure coisas a prazo curto então. Projetos de extensão, monitoria... essas coisas sabe! Você vai conseguir!

-Espero, Linda. Eu preciso conseguir! – confesso.

Crio coragem e levanto da cama para tomar um banho, então me encarei no espelho. Quase não reconheci a pessoa que eu vi.

-Nem parece que eu faço literatura. – riu.

-Não vejo mal nenhum nisso. Você não é só uma estudante, Chloe, é um agrupado de essências.

-Foi aula de psicanálise hoje? – perguntei.

-Foi, porque? – ela ficou confusa e eu ri.

-Você vai ser uma psicóloga maravilhosa, amiga! – digo rindo.

Tomei um banho e quando saí do quarto, Linda estava assistindo séries pelo seu notebook. O céu já estava escurecendo, o sol se pondo entre as montanhas então eu decidi sair para pegar um pouco de ar, estava um clima agradável lá fora. Talvez eu devesse passar no prédio do grêmio estudantil, talvez tivesse alguém precisando de monitoria. Na verdade, é uma ótima ideia!

Vou caminhando pelo campus e vejo jovens adultos conversando entre si. Alguns esparramados pela grama, outros correndo com seus livros em mãos, muitos se pegando pelos cantos e becos. O prédio onde ficava o grêmio era o centro de encontro dos alunos, tinha a biblioteca, o teatro, a sala de música e coral, tinha os clubes e monitorias. O corredor principal estava vazio, não havia aulas essa hora. Fui direto ao quadro de avisos e para a minha surpresa alguém estava precisando de um monitor para redação. Preenchi meu nome e e-mail e era só esperar, eu era ótima em redação então era só torcer para ser escolhida.

-Pronto! – digo confiante. Tudo vai dar certo, Chloe!

Penso em ir ver Dan no treino, mas escuto um som distante. Paro e aguço a audição e percebo que alguém está tocando piano. Eu sabia não estava tendo aulas, mas segui a melodia, atraída. Quando virei o corredor, eu soube que era uma versão instrumental de Bohemian Rapsody do Queen. Me encosto a porta e fico surpresa ao ver que quem tocava era Lúcifer. Ele estava concentrado dedilhando a música, muito envolvido para reparar minha presença. Fico ali, num misto de fascínio e surpresa, degustando o som incrivelmente hábil dele.

-Não sabia que tocava piano. – comento assim que ele termina a última nota. Lúcifer se vira e finalmente repara minha presença.

-Está me perseguindo, Decker? – ele comenta sorrindo, como se a ideia o divertisse.

-Sei que tenho uma rotina pacata, mas não ao ponto de ficar seguindo alguém. – digo.

-Então o que faz aqui?

-Vim ver se alguém precisa de monitor.

-Hm, primeiro a torcida, agora monitoria... Teve algum tipo de epifania? – ele perguntou sério.

-Não exatamente. – dou de ombros não me estendendo no assunto. – Bom, já vou indo.

-Ah, espera. – ele pediu. – Tem algum compromisso importante? – ele pergunta, mas parece um pouco nervoso, como se não soubesse exatamente o que falar.

-Não, ia só dar uma volta.

-Estou treinando uma música difícil, queria o crivo de alguém. – ele pediu sorrindo.

-Cadê suas fãs? – questiono mais para implicar porque entro e me sento ao seu lado no banco.

-Como pode ver eu prefiro não me expor. É bem estressante as vezes. – ele confessa.

-Muitas mulheres se atirando aos seus pés? – riu.

-Sim, basicamente é isso mesmo. – ele ri sentindo o quanto era estranho ele falar isso.

-Bom, quero ouvi-lo então. – Digo apontando o piano. Ele sorriu.

-É a sonata número 18 de Mozart. – ele comenta e então começa a dedilhar o piano.

Senti minha espinha se eriçar, assim como os pelos dos meus braços nos primeiros toques. Era indescritivelmente mágico poder ouvir, Lúcifer colocava uma paixão, um sentimento em cada nota que era impossível não se apaixonar. Eu era bem leiga em música, mas o ritmo de seus dedos, a complexidade das notas e as mudanças bruscas de sintonia com certeza não era uma música fácil de se tocar. Ele transcorreu as últimas notas e eu não havia percebido como as lágrimas haviam brotado em meus olhos involuntariamente. Lúcifer finalizou de forma lenta e quando parou o som do silencio foi avassalador, era uma atrocidade ousar quebra-lo, então eu só fiquei ali como se a música ainda retumbasse em meus ouvidos. Eu olhava os seus dedos longos ainda apoiados nas teclas num estado de transe e topor.

-Foi tão ruim assim? – ele sussurrou. Eu encarei Lúcifer, incapaz de acreditar que aquele homem, o mesmo que entrou se atracando no meu dormitório, pudesse ser capaz de algo tão divino.

-Foi a coisa mais linda que já ouvi na minha vida. – digo séria, encarando seus olhos negros. Ele me encarava de volta com intensidade, e eu pisquei deixando uma lágrima que estava presa nos olhos descer lentamente pelo meu rosto, ainda entorpecida pelo que acabara de ouvir.

Lúcifer ergueu uma mão e a limpou de minha bochecha, mas não a retirou. Ele continuou tocando meu rosto e o acariciando suavemente. Seus olhos era grandes e brilhantes e repousou seu olhar sob minha boca, senti ele se aproximar suave, seu cheiro era delicioso e quase tão hipnotizador quanto a música. Sua mão, sutilmente deslizou da bochecha para a minha nuca, roçando em meus cabelos. Era como se houvesse um íman nos atraindo. Então me dei conta do que estava acontecendo.

-Acho melhor eu ir embora. – digo com a voz meio rouca, ele praticamente a poucos centímetros de mim. Mexo o corpo e sua mão volta para baixo e ele olha para frente, se recompondo. Me levantei um pouco desnorteada ainda.

-Obrigada pela música. – acrescento já na porta. Ele me olha e abre um sorriso meio amuado e perdido, como se estivesse confuso, acredite, eu também estava.

Quando sai da sala foi como se eu tomasse consciência do que quase aconteceu e me desespero. Só consigo pôr a mochila nas costas e andar o mais depressa possível para fora do prédio. Para longe dele.

Continua...

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O PROJETO ✓ Deckerstar; Lúcifer MorningstarOnde histórias criam vida. Descubra agora