Prólogo

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Sete dias.

Seiscentos e quatro mil e oitocentos segundos. Dez mil e oitenta minutos. Cento e sessenta e oito horas. Sete dias. Uma semana.

Esse é o tempo máximo que o doutor Luís disse que eu tenho de vida.

Era apenas uma dor de cabeça que não parava de jeito nenhum. Depois que começou a me atrapalhar para tocar e cantar nos meus momentos de paz em meu quarto, então comecei a me preocupar.

Tudo começou de fato há uns 6 meses, acabou que fui diagnosticada com um glioblastoma, estágio IV, um dos mais agressivos tumores cerebrais. Eu tentei alguns tratamentos, até fiz a quimioterapia e radioterapia, mas só estava adiantando para me deixar fraca e eu não queria morrer toda mole e careca, gosto demais da minha cabeleira, então, pedi que tudo fosse interrompido. Parei de tentar e resolvi deixar se seguir a vontade de Deus. Apenas visito o Dr. Luís vez ou outra quando os sintomas estão muito agressivos, tipo quando minha personalidade alterna de maneira muito bruta. Odeio essa parte do câncer. Odeio o câncer.

Bom, hoje foi o dia em que minha ressonância já estava marcada. O doutor insiste em acompanhar o meu caso, mas a cada imagem nova ele só encontra um tumor maior e metástases avançadas. A grande verdade é que ele nem sabe dizer como ainda consigo ser eu mesma com meu hemisfério esquerdo tão comprometido. A única resposta que consigo pensar é: Deus. Ele que permite.

E agora faz uns 10 minutos que o Dr. Luís saiu daqui do quarto de hospital com aquela expressão de "sinto muito" tão conhecida entre tantos doentes terminais. Ele mostrou as imagens do meu cérebro e disse que pelo jeito que está, tenho, no máximo, sete dias de vida — isso se não sofrer uma morte súbita antes do tempo.

E agora meus pais estão chorando sem parar, assim como Elena que insistiu em vir hoje.

— Ei, não chorem tanto. Já sabíamos que isso ia acontecer. — Tento dizer para eles, mas sou completa-mente ignorada.

Eu já tinha aceitado meu prognóstico, já sabia que ia morrer em breve, mas isso não me impediu de viver enquanto podia. No entanto, refletindo comigo mesma, comecei a pensar que nesses últimos meses eu tenho vivido mais para alimentar a esperança dos meus pais de que os medicamentos fariam efeito — quando na verdade eles só me deixavam pior por causa dos efeitos colaterais. Mas agora eu cansei de ser a garota com câncer. Se não tem mais jeito, então quero aproveitar meus últimos dias como eu mereço.

Durante toda a minha vida eu sempre procurei fazer tudo pelos outros, até mesmo estava cursando medicina por ser o sonho dos meus pais, mas não era o meu. Meu sonho sempre foi estar no mundo da música. Eu sonho em ser uma cantora profissional e levar o amor de Cristo através das canções. Louvá-Lo de todo o meu coração.

Estou cansada da minha vida entediante, monótona. Eu nunca fiz nada que possa ser considerado errado para que uma filha de pastores faça. Eu sempre quis ser o exemplo vivo de uma garota quase "santa" porque era isso que meus pais esperavam de mim, mas estou cansada disso. Eu não desejo o pecado, eu desejo viver a vida do jeito que eu sempre quis viver. E eu sou cristã de coração, por amor, então, por que magoaria a Deus só por querer ser quem eu sou se Ele me ama exatamente por eu ser quem sou?

Meus pais são extremamente tradicionais e acham que uma música que tenha a melodia um pouco mais pesada já é algo fora da visão do Reino. Assim como sair à noite para dançar com os amigos. Tudo bem que eu não tenho amigos, mas eu amo dançar. Amo sentir a música através do meu corpo e nunca precisei beber ou me drogar para isso. Eu só danço. Que mal há nisso?

Isso agora acabou! Não vou ficar com o pensamento de que é tarde demais. Vou aproveitar os dias que me faltam para ser eu mesma e deixar minha marca de alguma forma nesse mundo. Sem remédios, sem mais visitas hospitalares ou cuidados exagerados.

Não serei mais a garota do câncer. Eu serei eu mesma. E eu tenho sete dias para isso.

 E eu tenho sete dias para isso

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O amanhã inesperado [degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora