Sobre minha antiquada mania de relembrar

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Antigamente, garotas tinham diários (e até alguns meninos também), cadernos velhos, raramente vistos à mercê de qualquer um, recheados de segredos, rabiscados de memórias, cobertos de desabafos, garranchos, ora feitos às pressas, no calor da emoção, ora escritos calmamente numa madrugada quieta, ou num canto escondido da casa, da escola, do bairro...

Diários eram como namorados: você precisava esconder do conhecimento geral para ter paz e poder curtir; eram baús contendo várias bombas – e ninguém podia saber, ou você e o mundo corriam riscos! Sua vida social corria risco! Pois, a vizinha da esquina saberia o que você pensa dela quando ela some no bazar de bijuterias todo sábado com o atendente, ou a menina da sua classe a odiaria para sempre se sonhasse com o que você escreveu sobre ela no dia 13, quarta-feira, e sobre sua horrorosa mania de limpar os dentes com o próprio cabelo.

Mas, como disse, isso era antigamente.

Hoje, garotas não têm mais diários.

Têm blogs, Instagram, Facebook, Twitter... Não há mais segredos, nem mistérios – tudo está à disposição de todos: a lágrima de ontem, o doce preferido, as alegrias e desejos do final de semana, a opinião sobre a série do momento, o desabafo apressado. E todos podem ver, ler, comentar, compartilhar. Ainda que se escondam por trás de perfis falsos, sem foto, o diário não é mais um momento seu consigo mesmo vindo de você somente para você.

A essência está lá, é claro: o dia a dia visto através dos seus olhos.

Sinto falta dos diários. Sou uma jovem antiquada, é verdade. Sei que tenho uma alma velha. Eu creio nisso. Eu sinto.

Mas não sou apegada.

Joguei meu último diário fora no dia fatídico em que minha menstruação desceu pela primeira vez. Achei simbólico.

Talvez, o mundo não precise mais de diários, pensamentos isolados e egoístas, visões momentâneas e irônicas sobre as pessoas e a vida, que morriam em folhas amareladas e terminavam no lixo, ao final. Gosto da ideia de abandono da solidão reflexiva para um infinito campo de identificação, onde o anonimato é arbitrário, e, portanto, mais perigoso.

Eu gosto do perigo.

Esse foi um dos principais motivos de ter fugido de casa naquela manhã e partido para a capital com apenas uma mochila nas costas e uma ansiedade no peito que não tinha nada a ver como o corpo frio e morto de mamãe que ficara para trás.

O diário nada incrível de uma garota comumWhere stories live. Discover now