Continuação de: "Communism"
O crime do rico a lei o cobre
O Estado esmaga o oprimido
Não há direitos para o pobre
Ao rico tudo é permitido
(A internacional Socialista)
Todos os dias pela manhã sou acordado por um som inconfundível, por um balançar de mãos suaves e pequenas, ou até mesmo com um pé na minha cara. — Papai, acorda! Eu quero fazer xixi...
Todos os dias pela manhã, abro os olhos e sou agraciado com a imagem e a presença de Frederick pulando sobre a minha cama. — Papai, levanta! Eu to muito apertado... — diz ele colocando as duas mãos entre as pernas parando de pular.
Todos os dias pela manhã levo Frederick para o banheiro porque ele não sabe ir sozinho e não consegue fazer nada sozinho lá dentro. Não reclamo, gosto de fazer as coisas para e pelo meu filho.
— Ufa...
Todos os dias pela manhã dou banho no Frederick para ele poder ir para a escola. Tiro as roupas dele, o coloco de pé no chuveiro e faço tudo o que um pai faz. Depois do banho o enrolo em uma toalha e vou para o quarto dele colocar-lhe o uniforme escolar.
Todos os dias pela manhã Frederick não colabora quando vou vesti-lo. Ele chuta a minha cara, mesmo que fraco e de leve, quando vou colocar a meia; fica fugindo quando vou colocar a calça; corre pelo quarto quando tenho colocar-lhe a camisa e o sapato.
— Te peguei!— e eu sempre acabo o capturando por algum vacilo.
Todos os dias pela manhã faço o café com o pouco que encontro na dispensa. Houve um crescimento econômico durante a ditadura? Houve. Pessoas morreram também. Mas por que para a maioria dos brasileiros esse crescimento não representa nada? Porque, para mim, ele nunca chegou.
Todos os dias pela manhã, antes de levar meu filho para a escola, me arrumo para ir trabalhar. Por obra de um amigo meu, e do Fernando também, mais do Fernando do que meu, consegui um emprego como advogado na prefeitura.
Funcionário público ganha muito? Definitivamente não, mas para sustentar o Frederick qualquer coisa serve.
Todos os dias pela manhã saio com ele em uma bicicleta, que era do Fernando, porque, além de não termos condições de comprar um automóvel, também é uma ótima forma de manter uma vida saudável. Passo pela escolinha dele e o deixo na entrada, junto a outras crianças.
— Te amo, papai!— Frederick exclama ao abraçar e beijar meu rosto. É tradição, pois ele sempre diz isso, não imroira a situação.
Fico na porta do colego até quando ele entra, para verificar se tudo vai ficar bem, e só depois vou para o meu trabalho.
Todos os dias pela manhã, pessoas vem me procurar para resolver seus problemas pessoais, e eu sempre tenho que dizer que eu defendo apenas os interesses da prefeitura.
O prefeito somente aparece na cidade no começo de cada mês, sendo assim, sem uma ordem superior, fico arquivando papéis e mais papéis o dia todo; as vezes analiso alguns processos: casos e mais casos.
Todos os dias pela manhã, independente da situação, preciso pensar no Fernando. Não é uma escolha pensar nele, é uma necessidade; não é como se minha mente estivesse desocupada para que eu pense em seu sorriso, até mesmo no mais corrido dia, sua imagem se faz presente.
Quando acaba o turno da manhã, inicia-se a anáfora da tarde; as santas repetições do meio-dia à boca da noite.
Todos os dias pela tarde termino o almoço e volto a arquivar mais papéis velhos, muitos antigos, outros tão novos quanto à planta que nasce após um dia chuvoso. Diante de tão imposição, não consigo encontrar uma palavra para descrever o quanto isso é cansativo, chato e perturbante. Durante seis anos venho vivendo assim, mas não, não posso reclamar.
Todos os dias pela tarde, meu supervisor diz que não há mais trabalho e me manda para casa.
Vou buscar meu filho de bicicleta, assim como fui deixá-lo, e depois, juntos, voltamos para a nossa casa. Durante o caminho, Frederick me conta todas as aventuras que passou durante o dia. Sempre havia uma trapaça diferente, uma brincadeira nova e um aprendizado inédito. Me sinto orgulhoso ao ver como meu pequeno gosta de explorar o mundo.
Pense num menino aventureiro!
Todos os dias pela tarde, Frederick enche minha cabeça dizendo que a professora dele quer sair comigo. Entendo perfeitamente, alias, esqueci de dizer que todos os dias o Frederick me pergunta onde está a sua mãe, e porque só ele não tem alguém para passar o Dia das Mães, ou então porque sou o único homem a comparecer nas reuniões de Pais e Mestres; geralmente são as mães que preocupavam-se com a educação dos filhos.
— Ela me disse que achou o senhor bonito. Disse que eu tenho um pai bonitão. — ele sorria enquanto olhava para cima, para o meu rosto. Retribuí ao sorriso, sem muito o que dizer. Simplesmente amo o sorriso dele, muito idêntico ao do Fernando, um belo sorriso!
— Frederick, eu já lhe disse que entre a sua professora e eu não irá acontecer nada.
— Mas a tia Gisele gosta do senhor! — olhou para mim com grande expectativa.
— Frederick.
Com uma breve repreensão, pelo tom grave de voz com que chama seu nome, ele entende perfeitamente o momento de parar. Sendo assim posso continuar recitando minha anáfora.
Todos os dias pela tarde, entro em casa e dou de cara com tudo fora do lugar. Sempre está uma bagunça, simples assim; nunca tenho tempo de deixar tudo limpo após o café da manhã.
Para obter mais espaço e concentração, deixo o Frederick ir brincar com o filho do vizinho; o tal vizinho é Jair Bolsonaro, o que só atormenta a minha vida. Embora minha vontade fosse proibir qualquer tipo de amizade entre meu filho e as crias desse energúmeno, já era tarde de mais para isso. Antes mesmo que eu pudesse tomar uma decisão, Frederick já era amiguinho de um deles.
Durante todos esses anos Jair finge que nada aconteceu, que não sabe de nada, como se não fosse ele o culpado de tudo aquilo que aconteceu ao Fernando. Ele sai na rua, faz churrasco, dá festas, participa da roda política; ele e seus comparsas fazem de tudo, menos assumirem que são assassinos. E o pior de tudo é nunca reconhecer o potencial altamente psicopatogênico que possui.
O que uma pessoa como eu poderia fazer? Jair é mais um previlegiado pela lei.
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Socialism
Фанфик"Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres." Rosa Luxemburgo ٩(๑❛ᴗ❛๑)۶ [ Ꮳiddad ] / Continuação da fanfic "Communism" /