Música dos Anjos

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Numa época, onde os humanos podiam ver, ouvir e conversar com os anjos, havia um menino que se chamava Mikéias. Era um menino bastante curioso, aventureiro, e ao mesmo tempo com muita sensibilidade. As três coisas que mais gostava de fazer era: inventar palavras, conhecer e explorar lugares novos e ouvir a música dos anjos.

As duas últimas palavras que o menino inventara foram barbeludo e lambisguado. A palavra barbeludo foi inventada quando seu pai deixou a barba crescer, cobrindo-lhe todo o rosto. – Papai tá barbeludo!!! - dizia o jovem. Já lambisguado era o que seu cão fazia em seu rosto quando eles brincavam: - Pára Jojô, pára. To ficando todo lambisguado... – reclamava o guri.

Sempre no início da manhã, saia para desbravar novos lugares lá no bosque perto de sua casa. Era uma alegria só quando ele subia em arvores até então desconhecidas, comia frutas com novos sabores, e se esbaldava em cachoeiras geladinhas. Porém, o melhor momento do dia para o menino era o findar do dia, pois isso significava que a apresentação musical iria começar. Perto do anoitecer, enquanto o sol se preparava para dormir atrás das montanhas e dar passagem para a lua e as estrelas embelezarem o céu noturno, os anjos preparavam o local com uma bela canção. Eles cantavam e tocavam diversos instrumentos: Flauta, trombeta, Lira e tambor. A maioria dos humanos não se importava em ouvir aquela música, pois estavam muito preocupados com os afazeres do dia-a-dia, mas o menino, diferentemente, se maravilhava todos os dias com aquilo.

Mikéias estendia um pano sobre o chão e estalava os dedos para chamar seu cachorro, seu companheiro daqueles momentos. Os dois ficavam sentados lado a lado esperando a apresentação começar. Toda vez que ouvia aquela bela música, executada pelos seres de luz, sentia uma sensação de paz, tranquilidade, e um arrepio em todo seu corpo. Aquilo era mágico e real ao mesmo tempo. No mundo do garoto, o oficio do fazer musical era exclusivo dos seres celestiais, cabendo aos humanos à maravilhosa tarefa de apreciar.

Ás vezes imaginava como seria incrível se pudesse um dia tocar uma canção, e neste momento, um estado de alegria vinha enquanto fantasiava tocando algum instrumento para as pessoas que amava: seus pais, seu irmão mais velho e seu avô. Em seguida, quando voltava à realidade, vinha uma pequena tristeza por saber que tudo aquilo não foi e nem seria real.

Um dia foi dormir e sonhou que tocava um instrumento que até então nunca tinha visto e nem ouvido, daqueles tocados pelos anjos. Ele tinha cordas como uma lira, porém era tocado sobre o ombro, e a forma com que o som nascia dele não era pelo acariciar dos dedos sobre as cordas, mas sim usando outro objeto, parecido com um arco de flecha. Aquele arco deslizava sobre as cordas produzindo um som tão, tão especial, que todos que o ouviam não conseguiam conter o sorriso ou as lágrimas. No sonho toda sua família apreciava e se encantava pelas lindas canções executadas pelo menino.

No meio daquela linda apresentação, enquanto Mikéias desfrutava daquela sensação maravilhosa de tocar aquele instrumento musical, uma voz bem longe, como um sussurro, chamou sua atenção: “Acorda meu filho, acorda!”. Então acordou. Era sua mãe o acordando. Quando percebeu que tudo aquilo era um sonho, e que nem a música e nem o instrumento eram reais, ele chorou. Sua mãe preocupada, perguntou o motivo das lágrimas. Depois de ter se acalmado, contou tudo que tinha vivido em sonho a ela.

No dia seguinte sonhou novamente. Tocava o mesmo instrumento, só que dessa vez, a plateia era um grupo de anjos, que após a apresentação, o parabenizaram pelo lindo presente que lhes tinha proporcionado. Afinal, nunca um ser celestial tivera o privilégio de ouvir uma música que não fosse executada por eles mesmos. No fim do concerto, um deles perguntou se Mikéias estaria disposto a descobrir que instrumento era aquele, bem como se gostaria de aprender a tocá-lo de verdade. Ele prontamente disse: “SIM, SIM!” Então o ser de Luz o colocou em suas costas e voaram rumo ao céu.

De lá de cima o anjo apontou para um lugar especial na floresta, onde havia um lindo lago que refletia todo o Céu estrelado, feito um espelho. Ao redor desse lago tinha lindas árvores, extremamente grandes, cujo caule era muito largo.

-De uma delas você conseguirá construir este novo instrumento, e a reconhecerá usando isto – disse o anjo, e naquele momento o mensageiro de Deus pegou algumas penas de suas asas, e as transformou num lindo objeto metálico, que de um lado tinha uma ponta arredondada e na outra extremidade, duas pontas, se assemelhando a forma de uma letra Y.

- Se seu desejo for puro e verdadeiro, seu coração mostrar-te-a a função do artefato, e suas mãos saberão como manuseá-lo - Disse o ser de luz.

Mikéias então acordou.

Porém, diferentemente da noite anterior, acordou entusiasmado, eufórico. Sua mãe, vendo-o daquele jeito perguntou:

-O que deu em você rapazinho, por que esse sorriso de orelha a orelha?
Então contou para sua mãe o sonho que tivera, e disse que sabia exatamente onde deveria ir para encontrar o local. A empolgação era tanta que mal quis tocar no café da manhã. Após comer, foi correndo para lá.

Depois de muito procurar, afinal, era um lugar novo e ainda não tão familiar, respirando fundo de tanto andar e procurar, finalmente o encontrou. O local era ainda mais bonito no mundo real, com aquelas incontáveis árvores, que circulavam um lago de uma água límpida. Naquele momento lembrou que não conseguiria encontrar a árvore correta, pois faltava o objeto misterioso que o anjo tinha feito pra ele enquanto dormia e sonhava. “Acabou as esperanças”, pensou o menino, afinal, aquele item místico era somente uma fantasia de seu sonho.

Olhando triste, de cabeça baixa indo de volta pra casa, viu sobre o chão, junto às folhas secas misturadas com mato algo brilhando, refletindo o sol. Quando se abaixou pra pegar o objeto, dando uma sacudida nele, não conseguia acreditar no que via: era o mesmo artefato metálico que tinha sonhado. Voltou para onde ficavam as árvores cujo anjo tinha mostrado, todavia, faltava um mistério a resolver. “Como se usa isto?”, indagou, pois o ser de luz não tinha dado nenhuma instrução.

Apontou pra uma árvore achando que o metal brilharia, mexeria, emitiria algum som ou algum cheiro, qualquer coisa que desse alguma pista de qual madeira seria a escolhida. Depois de tantas tentativas fracassadas, resolveu sentar encostado em um tronco, e fechou os olhos, procurando a resposta dentro de si. Neste momento uma imagem sem sentido veio a sua mente: via um beija flor se alimentando do néctar de uma flor, batendo as asas tão rapidamente, que mal dava para vê-las se mexer. Ao seu lado, via um pica-pau bicando uma árvore pra retirar alimento, e a cada movimento de sua cabeça ferindo-a, escutava-se um som oco. Ao abrir os olhos, vendo o objeto misterioso teve uma ideia. Bateu o metal na palma da mão e, ao coloca-lo bem de leve sobre a pele, percebeu que ele vibrava. Em seguida, com o metal ainda vibrando, apoiou uma de suas pontas no tronco da árvore em que estava debaixo, e nesse exato momento algo incrível aconteceu: a madeira emitiu um som.

O menino não conseguia conter-se de tanta alegria, afinal, finalmente a encontrou. Foi correndo para casa, e na parte do fundo da casa, onde ficava a marcenaria de seu pai, ele falou:

- Encontrei, encontrei! Pai vem comigo, encontrei, encontrei.
O pai estava confuso, sem entender o que Mikéias falava, acompanhou-o com uma condição:

- Por favor, me fala primeiro o que tá acontecendo.

Então o menino disse que explicaria tudo no caminho, pois não podiam perder mais nenhum segundinho. - E traga o serrote - disse o garoto.
No trajeto, contou todo o sonho que tivera noite passada, e toda a aventura que teve naquela manhã até encontrar o que procurava. Seu pai então serrou um pedaço de madeira daquela árvore especial e a levou até a oficina, onde lá iria começar o processo mágico da construção. Ele desenhou, serrou, lixou, colou, envernizou, e deu formato para o instrumento conforme as indicações que o garoto dava. Para dar o acabamento no arco, seu pai cortou, com muito cuidado, os pelos do rabo do Pocoió, o cavalo da família, e com as crinas do animal amarrou e deu formato ao arco. Estava finalizado o instrumento. Mikéias agradeceu seu pai grandemente por aquele lindo presente que foi construído.
Agradeceu o cavalinho que cedeu generosamente um pouco de crina; agradeceu a árvore que doou a matéria prima. Também agradeceu, por meio de oração, os anjos que mostraram para o garoto toda a jornada da descoberta e criação daquele instrumento.

Ah! Faltava ainda um detalhe: Como se chamará o instrumento? Perguntou seu pai. Como o menino adorava criar novos nomes, resolveu chamar aquele instrumento de Violino.

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⏰ Última atualização: Oct 13, 2019 ⏰

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