BEN E O OBSCURO HOMINIVERSE

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Era noite e como de costume Ben trocava ideias com seu melhor amigo, entre conversas aleatórias e diálogos sem fundamento ou pretexto algum para existirem, surgem aconselhamentos, dicas acerca da vida e as inúmeras possibilidades que esta poderia proporcionar para os dois, inclusive a Ben. Acontece, que seu melhor amigo, vulgarmente conhecido como Pai, estava inusitadamente falador aquela noite, comentava sobre os planos para o futuro de ambos, também acerca de suas expectativas quanto a vida. 

Naquela noite, o anjo mais velho, desejava incansavelmente comprar uma nova TV - com o intuito claro de acompanhar o seu time do coração - o Flamengo. Ben, por sua vez, não apreciava do assunto por isso não expressava-se quanto ao mesmo. Contudo, seu velho continuava a bombardeá-lo com intermináveis conversas, então Ben, compartilhou notícias de seu dia, de como foi sua experiência no colégio, tentando repassar de alguma maneira sua insatisfação com a vida que levava, especialmente impossível de mudar, ao menos naquele momento.

Entre diversos conselhos e risadas, no fundo era possível escutar além do incansável rádio portátil ligado a energia, tocando as "melhores" da noite, o cheiro que exalava de seu pai, predominantemente de cigarro e café. Foi assim, que após um longo período de conversa, Ben retirou-se para dormir às 23 horas da noite. Até porque no auge de seus 16 anos, o possível dia mais importante da sua vida  estaria chegando, o temido provão do colégio. 

Na manhã daquela quarta-feira, ao acordar Bem deparou-se com algo inusitado, este não fora acordado como de costume, exatamente às 6:30 da manhã, por isso, achou proveitoso dormir um pouquinho a mais levando em consideração que este era o primeiro dia de férias que seu pai veria naquele ano. Foi então, quando aos pulos saiu correndo da cama, já eram 8:00 horas da manhã e Ben estava, bom, como posso dizer, fodido, pois estava super atrasado para a prova e inclusive lamentava o possível gasto que seu pai teria naquela semana com talvez, uma segunda chamada da bendita prova. 

Ben então, em sua imaginação preparou logo um discurso de defesa, caso o seu velho viesse reclamar por este ter perdido a prova. Discurso esse que estava decorado e totalmente pronto para uso, era quase certo ser infalível. Ben tomou um ar, bateu a porta, forçou a maçaneta - estava fechada - chamou inúmeras vezes pelo nome de seu velho, até que, após inúmeras tentativas sem sucesso, decidiu entrar forçadamente no quarto. Sem noção alguma do que lhe aguardava lá dentro, tão pouco do que isto refletiria em sua vida daquele momento em diante. 

Ao finalmente abrir a porta, Ben deparou-se com seu melhor amigo dormindo, um sono tão tranquilo, profundo e relaxado quanto se pode imaginar, tentou acordá-lo. Mais uma tentativa sem sucesso. Puxou o cobertor do corpo de seu pai e sua visão por um instante pareceu lhe pregar uma peça, daquelas de terror. Ben, visualizou os dedos das mãos em uma coloração não habitual, estavam roxos, que loucura! Pensou. 

Acontece que de fato, aquele dia foi o mais importante da sua vida, mesmo que de maneira negativa. Ben aos 16 anos teve que encarar a morte. Não uma morte qualquer, a morte de seu melhor amigo, herói e companheiro. Ben tomou-se por inúmeras dúvidas, principalmente de como proceder naquela situação. Chamou os vizinhos e o SAMU foi acionado. Constatou-se o óbito, causa: infarto fulminante, horário: 00:30. Ben, ainda anestesiado por tudo que estava acontecendo, teve que lidar com diversos assuntos, escolha caixão, enterro e inúmeras burocracias que um menino de 16 anos jamais imaginava precisar vivenciar. 

A tarde, durante o velório, nem parecia que algo tão obscuro teria ocorrido, Ben estava sorrindo, fazendo brincadeiras com seus amigos e parentes. Precisamente às 17 horas daquele mesmo dia, aconteceu o enterro e, só então, Ben se entregou às lágrimas. Sentimentos de perda, de solidão e de desespero tomaram conta daquele pequeno ser de apenas 16 anos. Não se tratava de qualquer pessoa, era seu porto seguro. A quem Ben poderia recorrer sempre em qualquer situação. 

No retorno para casa, no ônibus fretado pela funerária, o clima era outro. Totalmente inverso ao que estava antes. O silêncio inundou a todos. Principalmente, a Ben. E com ele, vieram inúmeros pensamentos, como por exemplo, todas as coisas que poderiam ter sido ditas ou como ele não demonstrou o suficiente seu amor pelo velho enquanto ainda estava em vida. Ben durante anos viveu amargurado e culpado, pensando que, estavam apenas os dois naquela casa, seria possível seu amigão ter pedido socorro e Ben não ter ouvido pois dormia demais? Ou, se talvez, não tivesse ido dormir tão cedo, poderia este ajudar de alguma forma no momento da tragédia? São perguntas que, inevitavelmente não têm respostas. 

Ao chegar em casa Ben se deparou com o vazio que o aguardava, porém ainda com o cheiro de seu pai pela casa. Ben foi até o quarto de seu velho e lá permaneceu por tempo desconhecido, apenas sentindo aquele luto avassalador. Apesar de Ben ter vivenciado tudo aquilo na pele, todos os dias, exatamente às 17 horas - quando seu pai chegara do trabalho - ele o aguardava, como se aquilo fosse um pesadelo do qual fosse acordar a qualquer momento. Isso se repetiu por dias, semanas e anos. Até o melhor cheiro se dissipar da casa. Deixando espaço apenas para meras lembranças.

A verdade, é que Ben até hoje sente falta de seu amigo e, de certo modo esse dia não terminou. Parece um looping eterno de dor e saudade, com breves intervalos de felicidade. Além da espera incessante pelo dia em que estarão juntos novamente para compartilhar as novas histórias e risadas bobas, como era de costume dos dois.

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⏰ Última atualização: Oct 15, 2019 ⏰

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