Capítulo I

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Amor. Afeição. Felicidade.

Desde que eu me entendo por gente e via a relação afetuosa que meus pais tinham, ou pelo menos mostravam ter, eu me imaginava com esse tipo de relação.
Eu sei, você, querido leitor, vai imaginar uma história clichê, e talvez realmente seja isso.

No entanto, esse tipo de ocasião aonde moro, para uma princesa significa duas coisas: primeiro, ser coroada condessa ou rainha; por último, ter filhos. Herdeiros.

Durante toda minha juventude, minha querida mãe, rainha Angelina, contava para mim e minha irmã como ela conheceu o papai, rei Afonso. E ela sempre pareceu feliz de conhecê-lo e isso sempre me dava esperanças, como teria uma garota de 13 anos.
Nos bailes, sempre haviam ocasiões que eu me perdia propositalmente nos salões, para ver outros casais e provar a mim mesma que realmente era aquilo que eu imaginei.

Rapazes, não só os príncipes, como também filhos de outras autoridades me tiravam para dançar, e eu amava isso.

Certa vez, gostei de um garoto. Eu não me importava com a sua posição social, podia ser o padeiro. O sorriso dele era tão leve e encantador. Os olhos grandes e cheios de esperança. E ele dançava bem. Conversamos a noite toda. E começamos a trocar cartas, chegamos a nos encontrar outras vezes, até que ele parou de corresponder e não o vi mais, nem mesmo em outros bailes ou reuniões.

Me casei aos 18 anos com o príncipe Leopoldo. Era o único herdeiro do reino de Camélia.
Os pais dele havia falecido quando ele tinha 16 anos de idade. Nossos reinos tinham alianças entre si e isso envolvia o casamento. O meu casamento.

Ele foi coroado Rei e eu Rainha, segundo as tradições de minha época. Foi uma grande festa. Tinha autoridades de todos os lugares, pessoas importantes e a cidade estava lá, dentro e fora dos portões. Comemoravam meu casamento.

Meus pais estavam em êxtase.

E eu...eu estava feliz, mas não o suficiente, não como eu ouvia meus pais contando.

Meu peito apertava, mas eu estava ali. 
Casada.
Rainha.
Destinada a viver uma mentira.

...

- Vossa majestade, bom dia. Disse uma das servas, fazendo reverencia.
- Olá, Maria, bom dia. Bom dia, meninas.
- Bom dia. – disseram em coro.
- Vossa majestade teve boa noite de sono?  -  Disse se aproximando da cama, e fazendo sinal para as outras meninas se apressarem e colocarem a água em uma bacia que já estava no chão.
- Sim, obrigada. E vocês? - Disse, descendo da cama.
- Sim, majestade. Quer ajuda hoje para se vestir?
- Não, obrigada. Chamarei se eu precisar. – Fizeram reverencias e saíram.

Geralmente, é assim que começa meu dia. Sempre com guardas e servos ao redor, reverencias. É uma vida maçante. Apesar das mordomias, chega a ser solitário e pesado. Mesmo com tanta gente servindo, são servos e empregados, não amigos. Pelo menos, não todos.

Sentia muita falta da minha família, da minha irmã, ela sempre foi a minha melhor amiga. E do cuidado e da atenção dos meus pais. Me questionava se eu aproveitei o máximo que pude da minha juventude, pois, a lacuna que invadia meu ser por conta disso era tão grande a ponto de muitas vezes querer explodir.

Alguns minutos depois, me ajudaram a amarrar o vestido. Estávamos no verão, escolhi o mais leve possível, mesmo assim, me sentia sufocada com tantos tecidos sob minha pele morena.

Por protocolo, devo pelo menos almoçar com o rei, porém, ele acaba de chegar de viagem, já faz alguns dias que não o vejo. Assim, espero encontrá-lo no café da manhã.

É comum ele sempre sair em viagens, algumas demoram mais que outras. Além disso, ele não costuma contar como foi ou o que fez. Suas explicações são vagas.
Antes de entrar na grande sala de jantar, Maria vê se algo em minha roupa está fora do lugar. Ela é sempre tão cuidadosa. E passou minutos falando que deveria ter escolhido algo mais chamativo, atraente. Ela para e vê a tensão que está em meus ombros, coloca suas mãos sobre eles e me acalma, dizendo:
- Minha rainha, não precisas ficar nervosa, o Rei irás gostar de vossa majestade.
- Obrigada, acho que não estou tão nervosa. - Falei com um sorriso disfarçado. A verdade é que eu estava realmente nervosa, muito mesmo. Não o vejo há dois meses e não posso nem adivinhar qual será a sua reação, apesar de ter certeza que a frieza dele irá atacar novamente.
Sinalizo e os guardas abrem as portas enormes que tem dois leões rugindo, um em cada lado da porta, bordado de ouro e prata. Mesmo que não seja necessário, um funcionário fez o anúncio:
- A Sua Majestade, a rainha Vitória.
Levantei a minha cabeça, e observei que ele estava sentado na ponta, o encaro, sorrio. E começo a caminhar. Um pé atrás do outro, como se dependesse disso para a minha vida (e preciso, ou pelo menos, acho isso). O barulho da porta batendo, seguido pelo roçar de minha saia são o que não me deixam em silencio total. Ainda.
Ele levanta a cabeça. Um olhar vibrante, com a fúria aplacada com um sorriso pequeno, quase escondido atrás da barba e bigode. Ao passo que eu me aproximo do meu assento, ao lado direito da mesa, meu coração está entre: o que eu vou falar, ou, qual vai ser o silencio de hoje.
- Majestade – digo e faço a reverencia.
- Bom dia, Vitória. Como tens estado? – pergunta antes de colocar a comida na boca. Não foi tão frio, seu humor parece mais aceitável. - Pensei.
- Estive bem, obrigada. – Respondi, sentando. - A viagem foi tranquila?
- Sim, foi.
- Que bom, fico feliz que tenhas chegado em segurança. - Queria lhe falar que estava com saudades, mas não sei identificar qual o sentimento que sentia naquele momento. Então, continuo:  – O rei fez falta no castelo.
Não houve resposta para isso. E assim ocorreu até o fim do café da manhã.
Quando nós nos retiramos da sala, seguimos cada um para a sua ala.
...
Me sentei à mesa para ler alguns documentos que ficou em minha responsabilidade desde que o Rei começou as suas viagens. Têm momentos que eu sentia que quem estava governando era apenas eu. Mas desse modo, me sintia útil e preenchia meus pensamentos com contas e leis.

Maria entra e me assusto quando percebo sua presença.
- Não quis assustá-la, minha rainha, me desculpe.
- Tudo bem, estava distraída.
- Trouxe um pouco e chá, vai ajudar a relaxar. – Fala, colocando uma bandeja na mesa de centro.
- Muito Obrigada.
- Com toda a licença e respeito, posso perguntar se foi tudo bem?
- ‘Bem’ é uma palavra que eu não usaria. Mas digamos que sim. Não foi tão ruim como eu esperava.
- Sinto muito. Deveria ter vestido vossa majestade com mais brilho...
-Nem pense nisso. Ele agiria assim mesmo que eu estivesse vestida de ouro ou diamantes. Não é algo que roupas poderiam encobrir.
- Deixe-me servi a rainha. -  Disse colocando o chá em minha mesa. – Espero que o dia termine bem para vossa majestade. Quer que eu lhe faça companhia agora?
- Obrigada. Eu chamo se for preciso. Tenho que terminar algumas coisas.
- Certo, como desejar, majestade. Com licença.

...

Sabe esse sonho que a maioria das garotas tem de encontrar o amor de sua vida e blá, blá, blá? Não funcionou muito bem comigo.
Você não se surpreenderia se eu disser que o meu foi arranjado assim como o de muitas garotas que eu conheci.

Antes mesmo de nascer, eu já estava destinada a isso. O que eu lia, ouvia, me fez acreditar que poderia dar certo. Mas, eu esqueci de uma coisa importante, ou melhor, várias. Primeiro, que os livros não contam toda verdade. São escritos para distrair, para alegrar a vida que já está cheia de feridas. Por último, as pessoas mentem, o que significa que eu também faço isso.
Depois de tudo, há exceções em todos os casos da vida.

Felizmente, eu fui ensinada a fingir.

Em Busca do SolOnde histórias criam vida. Descubra agora