Cronologia Criminal Dia 1 - Sábado, 14/04/2018, 20:57

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Laura nem acreditou quando refestelou seu corpo sobre os lençóis escuros de sua cama. Há dias vinha trabalhando incessantemente em um caso que sequer vislumbrava o desfecho. Um aparente suicídio havia se transformado repentinamente em negligência infantil e duplo homicídio triplamente qualificado.

O esgotamento físico e mental a tomara de tal forma que, naquele dia, não iria conseguir permanecer no Departamento nem um segundo a mais do que propôs a si mesma logo pela manhã.

O visor do celular marcava 20:57, e seus olhos já não conseguiam manter-se abertos por mais do que alguns segundos. O torpor de seu cansaço foi embalando seu sono, assim como a garoa que caía lá fora e fazia um barulho aconchegante ao pingar na janela do quarto.

"Os brutamontes pouco se importavam com a violência que aplicavam ao arrastá-lo pelos cabelos ao gramado daquele terreno. Não existia dó nem piedade no trato com o infeliz de mãos e pernas amarradas. Mesmo com os olhos inchados pelos socos e pelo choro, ele ainda conseguiu circundar o local com o olhar e perceber que parecia bem familiar aos demais que se encontravam ali. Eles se moviam com propriedade, sabiam onde exatamente pisar, por onde exatamente seguir.

Não havia muito que se fazer para se livrar daquela situação. Estava debilitado, atado e humilhado, sem ao menos entender o porquê. Imaginava, mas não tinha certeza. Ódio, medo e desesperança dominavam o seu ser de tal forma que seu coração, por vezes, dava sinal de que não suportaria por muito tempo.

Não demorou muito até que chegassem a uma espécie de clareira onde um buraco enorme tinha sido cavado há pouco. Como ele sabia? Não sabia, só supunha por conta da pá que ainda estava jogada sobre o monte de terra.

– O que vocês vão fazer comigo? Quem são vocês? Por que não me respondem, porra? – Ele gritou, tentando inutilmente obter as respostas para o seu questionamento.

Um dos homens que já estavam ali à espera, deu um passo à frente. Sorriu sadicamente. Suas atitudes e expressões demonstravam altivez. Talvez ele fosse o líder. Talvez não, ele era, ao menos daqueles outros que estavam compactuando com aquele ato hediondo.

O pobre coitado, subjugado, espancado, maltratado há tantas horas não conseguia ficar atento a tudo o que acontecia à sua volta. Sua mente já havia começado a pregar peças e ele não enxergou o que estava bem ao seu lado. Somente quando o bandido-chefe movimentou-se é que ele pôde ver com mais amplitude e entender exatamente o que se passava ali.

Apesar de temer por sua vida, de certa forma sabia que não sobreviveria; já tinha preparando o seu espírito, que aguardava a morte à qualquer instante. Só não estava preparado para ver outra pessoa morrer, não ela, não sua filha.

A moça estava ali, igualmente com os pés e mãos bem presas por cordas grossas e resistentes. A diferença é que, até então, sua boca estava tampada por várias camadas de fita adesiva, impedindo-a de falar.

Mas sua mudez não tardou a ser interrompida. O "líder" puxou as fitas com tamanha brutalidade que seu pai podia jurar que tinha sentido a dor por ela.

– Vai abrir a boca ou não vai? Prefere dar uma de burra? – Aquela voz aguda fazia mulher estremecer da cabeça aos pés.

Mãos firmes seguraram seus cabelos com tamanha força, que ela podia jurar que vários fios tinham sido arrancados. Um grito de dor escapuliu de sua garganta, suja pelo sangue que escorrera de um extenso corte na têmpora direita. Sua cabeça tombou para trás quando um novo puxão foi dado, e outro grito – este mais estridente – ecoou quando a lamina da faca fez outro corte em seu rosto.

Seu pai, preso, ainda tentou desvencilhar-se dos homens que o seguravam, no intuito de impedir tal atrocidade, mas de nada adiantou. Seu abdômen recebeu um chute em sinal de alerta ao ato tido como afronta.

– Vão se foder! – A mulher bradou, mesmo com dificuldade.

– Isso, filha! Não ceda! Não sucumba agora!

Ambos, pai e filha, entreolharam-se emocionados. Sabiam que, de uma forma ou de outra, algo ruim, muito ruim aconteceria e nada poderiam fazer à respeito.

– Jura que vai mesmo querer matar o seu papaizinho? – O bandido revirava os olhos, impaciente.

– Pai... Não posso permitir que te machuquem...

– Tic, tac, tic, tac... O tempo está passando, querida! – Uma espécie de sinal foi dado para logo em seguida os capangas começarem a se movimentar.

– Não se importe comigo. Mantenha-se viva... Por mim! Não deixe que acabem com você.

– Pai...

– Sabe que qualquer decisão que tomar, pelo sim ou pelo não, eles me matarão de qualquer jeito. Não faça isso!

– Tempo esgotado! Vocês conseguiram me deixar com nojo dessa "melação" patética.

Após um menear da cabeça, o mundo particular da mulher começou a ruir. Seu pai foi jogado dentro do buraco, sob berros e protestos. Ela não sabia, mas as roupas do seu progenitor estavam encharcadas de um líquido combustível. Então, quando um brutamonte acendeu um palito de fósforo e jogou dentro do buraco, foi fácil o fogo queimar o corpo nos poucos segundos que demorou a ser soterrado pelos brutamontes.

Ela estava em estado de choque. A moça - que antes esbravejava - agora se mantinha de olhos arregalados, boquiaberta, sem aparentes reações. Sua boca não proferiu mais nenhuma palavra clara ou murmúrio sequer. Apenas a promessa silenciosa de vingança imperou dentro de si".

Duas Caras (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora